✦ A Fogueira da Verdade Mansa – Capítulo 25

O céu tingia-se de dourado quando Mirela estendeu o primeiro cobertor sobre a grama úmida do parque. Era uma bruxa de gestos calmos, olhar que abraçava sem tocar, e voz capaz de fazer até as cigarras pararem para ouvir. Ao seu redor, jovens chegavam aos poucos, com mochilas nas costas e olhos carregando pesos invisíveis.

No centro do círculo que ela formava com pedras e folhas secas, a fogueira não se acendia com fósforo, mas com um sopro gentil e um encantamento suave — desses que não fazem espetáculo, apenas cumprem seu propósito. A chama surgia baixa e laranja, dançando como se soubesse que sua presença ali era sagrada. Não queimava. Não ofuscava. Apenas acolhia.

Cada jovem sentava-se quando sentia que podia. Não era exigido falar. Mas, um a um, acabavam encontrando palavras que antes pareciam engasgadas. Um menino de cabelo azul falou da saudade do avô. Uma garota de casaco amarelo contou sobre o medo de crescer e não ser o que sonha. Um outro, com lágrimas contidas, apenas segurou uma pedra no colo e olhou o fogo, como se aquilo bastasse.

Mirela não dizia muito. Apenas escutava com todo o corpo. Seu dom não era julgar, nem responder. Era permitir que as verdades fluíssem sem pressa, sem vergonha, sem o peso das máscaras. Ali, ninguém precisava vencer, convencer ou provar. O calor da fogueira mansa bastava para que cada um se reconhecesse no outro.

E, ao final da noite, quando os corpos se despediam e os olhos já estavam mais leves, a bruxa recolhia as palavras que flutuavam no ar como brasas e as guardava num pote de vidro. Eram palavras ditas com coragem, e por isso, mereciam descanso e cuidado.

Naquela fogueira, o que se acendia não era a madeira. Era a coragem de ser. E isso, por si só, já era magia suficiente para transformar o mundo em volta.

Frase do capítulo:
“A verdade, quando é ouvida com carinho, deixa de machucar. Ela só quer existir em paz.”

✦ A Fogueira da Verdade Mansa – Capítulo 25