✦ O Livro das Águas Adormecidas – Capítulo 6

O vento havia mudado de direção. Agora soprava suave, como se não quisesse ser notado. Maíra sentia isso em cada passo que dava pelas trilhas cobertas de folhas secas. Desde a chegada de Anayu, os sinais do rio pareciam mais claros, e os sonhos se tornaram mais vívidos. Naquela noite, sonhara com uma árvore imensa, de tronco retorcido e raízes que mergulhavam tão fundo que tocavam a memória da terra. Entre os galhos, um sussurro a chamava pelo nome.

Ao acordar, soube exatamente para onde ir.

Caminhou ao lado de Anayu até o bosque das árvores velhas, onde os galhos se entrelaçam como braços de anciãs em oração. Ali crescia a Arvore-Mãe, uma figueira ancestral, cujas raízes grossas formavam arcos sobre o solo. Ela era conhecida por abrigar segredos do tempo e acolher aqueles que buscavam sem pressa.

Maíra se ajoelhou diante dela. Tocou a terra úmida e sentiu um pulsar, como um coração dormindo sob a raiz. Afundou as mãos com cuidado até alcançar algo frio e liso. Era uma caixa de pedra, envolta por musgo e protegida por pequenas flores brancas que tremiam com a mínima brisa.

Dentro da caixa repousava um livro de capa verde-esmeralda, entrelaçada com fios prateados. Não havia título, nem fecho. Quando Maíra o abriu, as páginas estavam em branco. Nenhuma tinta, nenhum símbolo. Apenas a textura macia de um papel que parecia respirar.

Anayu observava em silêncio. Ambas sabiam que aquele não era um livro comum.

Maíra levou o livro até a margem do rio, onde o silêncio era mais profundo. Naquele trecho, as águas corriam em compasso lento, como se estivessem adormecidas junto aos seixos.

Ajoelhou-se, mergulhou os dedos e deixou que a água escorresse suavemente sobre as páginas. Aos poucos, letras douradas surgiram, como se despertassem ao toque da corrente. Não eram palavras conhecidas. Era uma linguagem feita de formas fluidas, como se cada frase fosse uma onda ou um redemoinho em forma de símbolo.

Maíra fechou os olhos e deixou que o rio a ajudasse a compreender. Imagens se formaram em sua mente. Viu um tempo muito antigo, quando humanos e águas falavam a mesma língua. Viu os rituais de agradecimento, os círculos de cura formados ao redor das nascentes, os nomes secretos dados a cada fonte e cada córrego. E então, viu o esquecimento. O afastamento. A ruptura.

Mas também viu uma esperança. O livro falava de um ciclo que podia ser refeito, de um elo que podia ser costurado novamente, se os corações certos se abrissem com humildade. Era preciso mais do que proteger. Era preciso lembrar, celebrar, reconectar.

Nas últimas páginas, apareceu um mapa desenhado em gotas de luz. Ele mostrava quatro pontos sagrados ao longo do rio, onde o fluxo de energia natural ainda era puro. Maíra sabia que precisaria visitar cada um deles com a semente, o espelho e as canções aprendidas até agora. Em cada ponto, um fragmento da memória do rio seria restaurado.

Fechou o livro com reverência. O silêncio do rio havia falado mais do que mil vozes. Agora, era tempo de seguir. Havia um caminho marcado na água, e ele estava se revelando aos poucos, como os segredos que só florescem para quem espera sem pressa.

Ao lado da figueira, o vento soprou em círculos, como se o próprio tempo tivesse aprovado aquela descoberta. E Maíra, com o livro apertado junto ao peito, sentiu que cada página era uma promessa viva de que tudo pode ser lembrado, se o coração estiver disposto a escutar.

✦ O Livro das Águas Adormecidas – Capítulo 6