O Diário Escondido da Mãe de Ana

A descoberta foi por acaso. Ana havia voltado à casa da vila para tentar entender melhor os rastros do passado que as cartas revelavam. Enquanto Daniel terminava de organizar os papéis antigos no andar de baixo, ela resolveu explorar o sótão pela primeira vez. Era um espaço abafado, com janelas cobertas por cortinas grossas e muita poeira. No canto, um velho baú de madeira chamava atenção por estar trancado com uma tira de tecido desbotado, como se alguém quisesse esconder algo, mas sem coragem de jogar fora.

Dentro do baú, entre fotografias desbotadas e brinquedos da infância da mãe, Ana encontrou o diário. A capa gasta denunciava o tempo e o valor afetivo que ele carregava. O nome escrito à mão com caligrafia delicada fez seu coração acelerar. Era da mãe. E ao abrir a primeira página, a data escrita a caneta tremida lhe causou um arrepio: 1983. Ana ainda nem sonhava existir.

As páginas estavam repletas de anotações sinceras, reflexões íntimas e relatos de encontros com um homem descrito apenas como “ele”. Ana reconheceu, pela forma como sua mãe escrevia, a profundidade daquele vínculo. Mais adiante, outras passagens descreviam sentimentos de culpa, silêncio, e o medo de revelar uma verdade que poderia abalar tudo.

Aos poucos, Ana percebia que aquele homem descrito com tanta intensidade era Matteo. As palavras carregavam amor e dor em igual medida. Mas havia mais. Havia medo. Medo do futuro, de julgamentos, de consequências. Havia também a menção a uma gravidez inesperada, envolta em segredo. Ana parou de ler por um instante. O silêncio ao redor parecia mais denso. O que antes era só uma busca curiosa por respostas se tornava uma jornada íntima, quase insuportável.

O diário não apenas respondia perguntas. Ele criava novas. A identidade do pai, o porquê da distância, os motivos por trás de tantos silêncios familiares. A cada página virada, a imagem que Ana tinha da mãe ia mudando. Não diminuía, mas se tornava mais complexa, mais humana.

Na última folha, havia uma frase escrita com pressa e manchada por algo que parecia lágrima: “Se um dia ela descobrir, que seja com amor.” Ana fechou o diário com mãos trêmulas. Naquele instante, tudo mudou. O passado não era mais apenas uma lembrança. Era um espelho. E Ana precisava ter coragem de olhar.