O Horizonte das Ausências

O som das máquinas era baixo e constante, um murmúrio metálico que se confundia com o ritmo da respiração de Clara. Deitada sobre a maca, ela observava as luzes que se alternavam no teto, frias, impessoais, quase hipnóticas. O médico ajustava os instrumentos com precisão, enquanto uma enfermeira colocava sensores em sua cabeça, como se tentassem mapear os contornos do que restava de sua memória.

Quando o procedimento começou, uma leve dormência percorreu-lhe o corpo. A sensação não era de dor, mas de desapego. Aos poucos, as lembranças começaram a se embaralhar dentro dela, transformando-se em imagens soltas, sem sequência nem lógica. Um riso distante, o toque de uma mão, a cor de um entardecer, o perfume de uma carta antiga, tudo se misturava, dissolvendo-se em névoa.

Ela tentou segurar uma lembrança específica, uma voz que dizia seu nome, uma presença que ainda ardia no peito. Mas quanto mais tentava, mais o som se afastava. O rosto de Elias tornou-se uma sombra, um vulto sem contorno, e logo até o nome perdeu substância.

Era como ver o mar apagar as pegadas na areia. O que antes era memória transformava-se em esquecimento, e o que era amor tornava-se apenas uma sensação vaga, um eco que o tempo levava. Clara sentia uma leveza estranha, como se finalmente estivesse livre, mas dentro dessa liberdade havia também um vazio, uma ausência que não tinha nome.

O médico observava os monitores, satisfeito com os resultados. Tudo seguia como planejado. Para ele, era apenas ciência. Para Clara, era a travessia silenciosa entre o que se foi e o que restava.

Quando abriu os olhos, a sala parecia maior, mais clara, mas também mais distante. As vozes ao redor soavam familiares e, ao mesmo tempo, estrangeiras. Ela sabia quem era, mas não sabia mais o que havia perdido.

Ao sair da clínica, o céu estava coberto de nuvens. Um vento leve trouxe-lhe um arrepio, como se algo invisível passasse por ela. Clara olhou para o horizonte e, sem compreender por quê, sentiu uma lágrima escorrer. Não havia lembrança, não havia nome, mas havia um resquício de saudade, um eco do amor que resistia, mesmo depois do esquecimento.