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A tarde estava cinzenta quando Clara sentiu o impulso inexplicável de caminhar até o fim da rua. O vento soprava com suavidade, e havia no ar o perfume de algo antigo, talvez lembrança, talvez destino. Sem entender o motivo, seguiu guiada por uma intuição silenciosa até um prédio esquecido, coberto por heras. A porta rangia, e o ar ali dentro tinha o cheiro de tinta seca e madeira.
O ateliê parecia intocado há anos. Quadros encostados nas paredes, pincéis endurecidos pelo tempo, pedaços de telas inacabadas. A luz atravessava as janelas altas, criando manchas douradas no chão empoeirado. Clara caminhou devagar, como quem entra em um lugar sagrado, e sentiu o coração bater mais forte, sem saber por quê.
Sobre uma mesa coberta por lençóis manchados de tinta, havia um caderno de capa de couro. Era antigo, mas ainda conservava a firmeza do uso recente. Ela o abriu com cuidado, e o nome na primeira página fez seu corpo estremecer. Elias.
As páginas estavam preenchidas com caligrafia firme e elegante. As palavras descreviam lembranças que pareciam pertencer a ambos: tardes de chuva, conversas à beira-mar, o som da risada dela. Cada linha pulsava como se tivesse sido escrita com emoção viva, e Clara sentia um arrepio a cada página virada, como se alguém sussurrasse por trás de suas costas.
No final do diário, uma carta estava dobrada com precisão. O papel era novo, o selo ainda recente. Ela a abriu e, por um instante, esqueceu de respirar. A carta estava endereçada a ela.
O mais estranho era a data. O dia anterior.
Clara leu as primeiras palavras e sentiu o chão desaparecer sob os pés. A letra era inconfundível. Elias escrevia como se o tempo jamais os tivesse separado. Dizia que o amor não se apaga, apenas muda de forma. Que às vezes o destino se curva para permitir reencontros improváveis. Que ele havia encontrado uma maneira de chegar até ela novamente, por entre as fendas do esquecimento.
Ela segurava o papel com as mãos trêmulas, o coração pulsando no limite. Não havia como ser verdade, mas o toque do papel parecia vivo, quente, quase humano.
Por um momento, Clara jurou sentir a presença de alguém atrás dela. Virou-se rápido, e o ar vibrou como se uma corrente invisível tivesse passado. Nenhum som, nenhuma sombra. Apenas a certeza de que algo, ou alguém, havia estado ali.
Ao fechar o diário, percebeu que suas mãos cheiravam a tinta fresca, como se tivesse acabado de tocar algo recém-pintado.
No reflexo da janela, jurou ver um vulto sorrindo — o mesmo olhar do retrato inacabado. Então compreendeu que o amor que tenta sobreviver ao esquecimento encontra sempre uma nova forma de renascer.
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