🌳 A Boca sob o Carvalho – Capítulo 6

Na manhã seguinte à lágrima de sangue da estátua, a aldeia acordou diferente. O ar estava mais espesso, carregado de umidade que não vinha da chuva. Os pássaros se calaram, e até os insetos pareciam ausentes. Tudo estava suspenso, como se a própria natureza segurasse o fôlego.

Foi Enid quem ouviu primeiro. Estava colhendo lenha ao redor da clareira quando percebeu: o chão fazia um som rítmico. Um sopro abafado, como se algo dormisse debaixo da terra e estivesse prestes a acordar.

Ela correu até o Grande Carvalho.

O que viu fez seu coração parar por um instante: bem entre as raízes mais antigas, o solo havia cedido. Não como um buraco comum, mas como uma fenda orgânica, envolta em veios pulsantes que pareciam fibras vivas. A abertura se contraiu e se expandiu, como se respirasse. Como se esperasse.

Enid caiu de joelhos, atônita. Então, como em resposta, a madeira do tronco atrás dela rangeu, e o Guardião surgiu da mata.

— A Boca se abriu, disse ele, com uma reverência sombria. A passagem para a Terra Profunda desperta quando a dívida é selada.

— Isso… estava vivo o tempo todo? perguntou Enid, com a voz falha.

— Nunca esteve morto. Apenas adormecido. E agora está faminto.

Outros aldeões chegaram logo depois, assustados com o que viam. Idran aproximou-se lentamente, olhos fixos na fenda viva.

— Então é aqui. Onde o espírito vive.

— Onde ele espera, corrigiu o Guardião. Nem morto, nem vivo. Ele é raiz, é fome, é promessa enterrada. E precisa ser confrontado.

Darina olhou para o céu fechado.

— Mas quem descerá?

O Guardião virou-se para o grupo. Sua expressão era firme.

— A Terra Profunda não aceita qualquer um. Ela escolhe. Exige laços. Memória. Sangue. E coragem.

Então, um vento forte soprou da fenda, frio, úmido e carregado com o cheiro do tempo. E nele, todos ouviram, ainda que sem som, um nome:

“Enid.”

Ela cambaleou. Não havia sido uma voz, mas algo que ecoou diretamente em sua mente. Quando olhou ao redor, viu nos olhos dos outros que eles também haviam sentido. Ninguém ousou questionar. Nenhum outro nome fora pronunciado.

O Guardião abaixou a cabeça em respeito.

— A escolha foi feita.

Idran, com os olhos marejados, tocou o ombro da jovem.

— Você não carrega só o peso da aldeia… mas também a esperança dela.

Enid respirou fundo. Seus pés a levaram até a beira da fenda. Lá embaixo, não havia escuridão, havia um brilho âmbar, como se a própria seiva da terra a chamasse.

E pela primeira vez, ela não sentiu medo.

Sentiu chamado.

A Boca sob o Carvalho – Capítulo 6