⚶ A Canção do Osso Quebrado – Capítulo XXI

As criptas de Nhar’Vol não foram feitas para os vivos. Esculpidas por mãos que já não existem, seus corredores exalam um frio que não é de inverno, mas de eras esquecidas. Liora caminha por entre colunas feitas de ossos petrificados, onde cada fratura carrega uma história silenciada.

Na profundidade do vazio, ela ouve. Não com os ouvidos, mas com o sangue.

É um som seco, como o estalo de vértebras sendo reorganizadas, seguido por um lamento musical. As paredes vibram com uma melodia feita de dor calcificada. São os ossos milenares, partidos, renegados, entoando sua canção. Cada nota ressoa como uma memória: um grito sufocado, um juramento não cumprido, uma infância quebrada.

Liora cai de joelhos.

Diante dela, um altar de marfim rachado pulsa com um brilho enfermo. Dele emerge uma figura curva, feita inteiramente de articulações humanas. Ela canta sem boca, e a canção penetra direto nos ossos da bruxa. A dor que ela sentiu, a que escondeu, a que ignorou,  volta com precisão cruel. Não como tortura, mas como verdade.

Os mortos não mentem.

Cada eco da canção do osso quebrado traz à tona um fragmento enterrado da alma de Liora. As traições que ela cometeu. As promessas que quebrou. As vezes em que quis desaparecer. As vezes em que fez alguém desaparecer.

Ela sangra dos olhos. Não por tristeza, mas por lucidez.

Ao final da canção, a figura feita de ossos curva-se diante dela. Liora entende: ela pode fugir de tudo, menos daquilo que a construiu.

E agora, cada passo dela soará como nota de um cântico antigo.

“A dor é apenas a lembrança do que tentamos esconder.”

⚶ A Canção do Osso Quebrado – Capítulo XXI