A Chave de Marfim – Capítulo 12
“Algumas portas não têm fechaduras visíveis, mas esperam há muito por uma chave que reconheça seu segredo.”

Ainda com o eco da aparição no espelho ressoando em sua mente, Clara sentia o tempo vibrar de maneira diferente ao seu redor. Caminhava pelo sótão com um misto de cautela e urgência, como se estivesse sendo levada por algo que não compreendia, mas que, de algum modo, reconhecia.

Foi então que notou uma cômoda antiga, encostada no canto mais escuro da parede leste. Tinha tentado abri-la antes, sem sucesso. Mas agora, ao tocá-la novamente, a gaveta inferior cedeu com um leve estalo.

Dentro dela, repousava uma única peça: uma pequena chave de marfim, esculpida com delicadeza quase orgânica. Seu toque era frio, mas não inerte. Gravado em sua cabeça, havia um símbolo curvo, que lembrava um olho entrelaçado por linhas, quase como uma espiral em rotação invertida.

Assim que os dedos de Clara envolveram a chave, um som seco e oco rompeu o silêncio.

Passos.

Vieram do andar de baixo. Lentos, espaçados, mas nitidamente reais. Alguém, ou algo caminhava pela casa.

Clara prendeu a respiração. O som da madeira rangendo sob o peso invisível era hipnotizante. Não parecia um invasor comum. Havia algo ritualístico naquele som, quase como se os passos obedecessem a um compasso antigo, a uma coreografia esquecida.

Ela desceu dois degraus, tentando ver além do corrimão. Nada. Mas os passos continuavam, como se atravessassem camadas de tempo, e não apenas cômodos.

Com a chave ainda na mão, Clara teve a sensação de que não havia sido ela quem a encontrara, a chave a havia escolhido. E agora, talvez, abrisse mais do que uma gaveta. Talvez desbloqueasse algo adormecido há muito tempo.

E no fundo de sua mente, uma lembrança que não era dela sussurrou:

“Só com ela se entra onde o tempo se dobra.”

Clara soube, então, que a porta certa ainda estava escondida. Mas não por muito tempo.

A Chave de Marfim – Capítulo 12