A Chave no Quadro – Capítulo 37

Chovia lá fora quando Clara voltou ao corredor onde os quadros costumavam vibrar à meia-noite. O silêncio da casa estava espesso, quase sólido, como se algo aguardasse ser descoberto. Ao passar diante de um retrato que mostrava apenas uma cadeira vazia em um campo escuro, ela sentiu um arrepio incomum e parou.

Observou o quadro por alguns segundos. Não havia assinatura, nem data. Aproximou-se. Com a ponta dos dedos, deslizou pela moldura até sentir uma leve irregularidade no canto inferior direito. Apertou ali, e um estalido suave ecoou pela madeira.

O quadro se afastou da parede com facilidade, revelando um pequeno compartimento escondido. Dentro dele, repousava uma chave de bronze, antiga, delicada, com um símbolo gravado na cabeça: uma espiral que se fechava sobre si mesma.

Clara hesitou antes de tocá-la.

Assim que seus dedos envolveram o metal frio, sentiu um impacto invisível no peito, como se algo a puxasse por dentro. Seu coração bateu forte, depois errático, depois… lento. Por um instante que pareceu se alongar fora do tempo, ela não soube se ainda estava no presente.

Tudo ao redor se dissolveu em uma névoa densa. O som da chuva sumiu. O piso sob seus pés parecia distante. E então veio a sensação estranha: o coração ainda pulsava, mas não no tempo que conhecia. Ele batia em um ritmo que parecia vir de outro século, de outra Clara.

O corredor voltou ao normal aos poucos, mas a chave ainda queimava levemente em sua mão.

Ela não sabia o que aquela chave abria, mas sabia o que havia sido destrancado dentro dela. A linha entre lembrança e profecia começava a desaparecer.

Talvez não estivesse apenas reencontrando Elias.

Talvez estivesse prestes a reencontrar a si mesma.

A Chave no Quadro – Capítulo 37