✦ A Escada para Dentro

A porta da casa range como se despertasse de um sono muito antigo. O ar ali dentro tem cheiro de madeira molhada, resina e folhas secas. Tudo parece suspenso entre o tempo que passou e o que ainda está por vir. No centro do saguão, repousa a escada. Seus degraus, gastos pelo toque de muitos pés, descem num espiral sem fim visível. Mas o que intriga não é o que há embaixo, e sim o que cada degrau devolve a quem o pisa.

A velha bruxa aparece entre sombras, com olhos que brilham como carvão em brasa. Seus passos não fazem som. A voz, no entanto, preenche todo o espaço sem esforço. Diz que aquela escada não leva para baixo, mas para dentro. Cada degrau exige uma entrega, uma lembrança, uma coragem esquecida.

O primeiro visitante da manhã hesita. Um jovem de olhos fundos e mãos trêmulas. A bruxa apenas aponta para o primeiro degrau. Ele desce. Ao pisar, ouve a risada do pai que não escuta há anos. No segundo degrau, sente o cheiro da terra onde cresceu. No terceiro, vem a dor da perda que fingia ter superado. Cada passo é uma camada de si que retorna, ora como abraço, ora como peso.

A escada não tem corrimão. Só a própria coragem sustenta. Alguns voltam, ofegantes. Outros choram em silêncio e prosseguem. Há quem ria, quem tema, quem se recuse a continuar. Mas todos, sem exceção, saem diferentes.

Ao lado da escada, a bruxa mantém um caderno. Nele anota palavras curtas, quase sempre nomes. Dizem que quando alguém encontra o que deixou para trás, ela risca o nome da lista e acende uma vela no canto da sala. A chama queima com uma cor diferente a cada história completada.

Naquela tarde, uma mulher de cabelos grisalhos e passos firmes se apresenta. Traz nas mãos um colar partido. A bruxa a olha em silêncio e lhe oferece um espelho rachado. A mulher encara o próprio reflexo e sorri com tristeza. Depois, desce.

A escada não leva para uma sala, nem para um porão. Leva para memórias que ainda moram na pele, para verdades que se esconderam por vergonha ou medo. Cada visitante desce com um peso e sobe com um olhar mais inteiro.

No fim do dia, a bruxa senta-se diante da escada e escuta o eco dos que caminharam. Fecha os olhos. O silêncio que se segue não é vazio. É o som do reencontro.

E a escada permanece ali, esperando o próximo coração disposto a descer para dentro.