✦ A Guardiã do Vento Norte – Capítulo 5

O dia amanheceu diferente. Havia um cheiro de alecrim queimado no ar, mesmo sem nenhuma fogueira acesa por perto. As folhas dançavam em círculos perfeitos no chão, e o vento soprava do norte com uma firmeza que Maíra não sentia há muitos anos. Ela soube, no instante em que saiu de casa, que alguém antigo estava voltando.

Subiu até a Pedra dos Ecos, um platô de onde se via o rio como uma fita prateada serpenteando entre os verdes. Ali, o vento falava mais claro. Maíra fechou os olhos e escutou. Entre o assobio das folhas e o zumbido das árvores, uma palavra sussurrada chegou aos seus ouvidos como uma lembrança: Anayu.

Anayu era filha das neblinas e amiga dos corvos. Partira ainda jovem, guiada pelos ventos do norte, em busca de respostas que só as montanhas sabiam. Durante anos, seu nome fora falado apenas nas preces das tempestades e nas noites em que a lua se escondia. Maíra havia guardado um colar de penas brancas feito por ela, símbolo de um laço que nunca se rompeu, mesmo com a distância.

Naquela tarde, enquanto o sol descia entre as copas, uma silhueta surgiu no alto da trilha de pedra. Seu caminhar era leve, mas firme, como quem já aprendeu com os abismos e os cumes. Vestia um manto cinza-prateado que dançava com o vento, e seus olhos traziam o mesmo brilho do céu antes da chuva.

Maíra sorriu sem dizer palavra. Anayu desceu a trilha e a abraçou com força, como se o tempo tivesse parado apenas para aquele encontro.

Sentaram-se sob a figueira antiga, e Anayu tirou do manto uma pequena bolsa de tecido, costurada com fios de cobre. De dentro dela, retirou fragmentos de casca de árvore, onde estavam entalhados símbolos curvos, como ondas e asas entrelaçadas.

São mensagens trazidas pelo vento, disse Anayu. As montanhas me ensinaram a escutá-lo. Ele não sopra apenas por acaso. Ele conduz. Ele carrega histórias, medos, esperanças. E agora, ele fala sobre um desequilíbrio antigo, que começa a romper os acordos invisíveis entre os reinos.

Maíra tocou uma das cascas. Sentiu um leve formigamento nos dedos, como se o vento quisesse passar através dela. Anayu explicou que o norte havia sentido o enfraquecimento das correntes de água. E que os pássaros migratórios mudaram seus rumos. Até mesmo as pedras nas montanhas começaram a trincar onde sempre foram sólidas.

O rio está pedindo socorro, disse Maíra. Mas não grita. Ele sussurra. E poucos ainda sabem escutar.

Anayu assentiu. Por isso voltei. A floresta do norte me mostrou uma antiga aliança que precisa ser reativada. Uma dança entre o ar e a água. Eu trago o vento. E você guarda o rio. Juntas, podemos recordar o ritual que une os dois.

Naquela noite, sob o brilho suave das estrelas, Maíra e Anayu acenderam uma fogueira sagrada com galhos de três árvores escolhidas. Cantaram baixinho, numa língua ancestral, e lançaram ao ar folhas de pitangueira e pétalas de ipê, permitindo que o vento levasse suas intenções.

Uma nova etapa se iniciava. Não mais solitária. Agora, o rio teria também os ventos a seu favor.

E no sopro da madrugada, uma promessa se fez ouvir: enquanto houver guardiãs que escutam, nenhum espírito da natureza será esquecido.

✦ A Guardiã do Vento Norte – Capítulo 5