✦ A Ilha que Some ao Meio-Dia – Capítulo 7

O mapa revelado pelo Livro das Águas Adormecidas indicava com precisão o próximo ponto sagrado: uma ilha escondida entre as voltas do rio médio, conhecida apenas em antigos murmúrios como Ilha de Yarê. Poucos acreditavam em sua existência, e os que juravam tê-la visto contavam histórias desencontradas, sempre com olhos distantes, como se a memória fosse um espelho partido.

Maíra sabia que não se tratava de lenda. A ilha realmente existia, mas somente por uma hora, no instante exato em que o sol alcançava o centro do céu. Era um lugar encantado, protegido por véus de luz e névoa, visível apenas àqueles que carregavam o propósito certo no peito. E, segundo o livro, ali estava guardada uma relíquia sagrada: o Coração da Correnteza, um cristal translúcido com energia capaz de restaurar a conexão entre o espírito do rio e os ventos.

Anayu acompanhou Maíra até as margens do trecho indicado, onde o rio se alargava em espelhos rasos. O tempo corria com pressa, e as nuvens flutuavam como se quisessem esconder o sol. As duas prepararam uma canoa feita de casca de embiruçu, leve o suficiente para deslizar sobre a água sem ruído. Maíra levava consigo a semente que brilhava no escuro, o espelho do tempo e uma pequena pedra retirada da gruta das canções submersas.

À medida que se aproximavam do meio-dia, a luz foi mudando. Tornou-se intensa, quase líquida, refletindo em milhares de pontos sobre a superfície do rio. De repente, a água parou de correr por um instante. Um silêncio absoluto se fez, como se o mundo prendesse o fôlego.

E então, ela apareceu.

A ilha surgiu como um suspiro entre o reflexo e a realidade. Não brotou da terra, mas se revelou como uma lembrança que decide voltar. Era pequena, coberta por capins dourados e flores cor de âmbar. No centro, uma pedra circular brilhava com uma energia sutil. O tempo ali parecia respirar diferente.

Maíra saltou da canoa e pisou na ilha com respeito. O solo era morno, como o de uma pele viva. Caminhou até o centro, onde uma pequena caixa feita de madeira escura repousava sobre a pedra. Ao tocar a tampa, ouviu uma melodia aguda e delicada, como se uma gota tivesse caído num copo de cristal.

Dentro da caixa, estava o Coração da Correnteza. Um cristal azul-claro, pulsando como se tivesse batimentos. Ao envolvê-lo com as mãos, Maíra sentiu uma corrente suave percorrer seus braços, descendo até os pés. Era a energia do próprio rio, agora pulsando dentro dela.

O sol, porém, já começava a descer. A luz intensa dava sinais de cansaço. A ilha, como prometido, começava a se desfazer. As bordas se desfocavam, a vegetação tornava-se neblina.

Maíra correu de volta à canoa, e Anayu a recebeu com olhos marejados. Juntas, remaram com força para longe da ilha que desaparecia pouco a pouco, voltando a ser apenas um brilho confuso no meio da água.

Quando o rio retomou seu curso e o mundo voltou a respirar normalmente, a ilha já não estava mais lá. Mas o cristal em suas mãos era prova de que tudo havia sido real.

Com o Coração da Correnteza agora sob sua proteção, Maíra sentia que o elo entre os elementos começava a se recompor. A jornada ainda era longa, mas as forças do rio, do vento, da memória e da semente já se alinhavam.

No céu, uma garça branca fez um círculo lento e pousou em uma pedra à frente. Maíra entendeu o sinal. Era hora de seguir. A água guardava novos caminhos, e o tempo, novas lembranças a serem despertadas.

✦ A Ilha que Some ao Meio-Dia – Capítulo 7