A Mão Pintada com Sangue – Capítulo 39

Clara percorreu a casa em silêncio, guiada apenas por uma sensação estranha que parecia chamá-la para o andar de cima. Era como um sussurro que não vinha pelos ouvidos, mas pelas paredes. Ao chegar na sala secreta, percebeu que algo havia mudado. Uma das pinturas, antes coberta por um lençol escuro, agora estava exposta. Não se lembrava de tê-la deixado assim.

Aproximou-se com cautela.

A imagem mostrava o mesmo motivo que se repetia em tantas outras obras de Elias: uma mão estendida, suspensa no vazio. Mas havia algo diferente ali. Os traços não tinham a textura usual da tinta. Eram mais densos, mais escuros. E quando Clara se aproximou ainda mais, o cheiro a fez recuar instintivamente.

Ferro. Terra úmida. Um odor inconfundível.

Clara levou os dedos ao tecido da tela, sem tocar a tinta. O brilho irregular da superfície confirmava o que seu corpo já sabia. Aquilo não era tinta.

Era sangue.

E era recente.

Seu estômago se contraiu. O pulso acelerou. Havia calor ainda impregnado na obra, como se tivesse sido pintada poucas horas antes. Mas quem poderia tê-la feito? A casa estava trancada. As janelas seladas. A fechadura intacta.

Sentou-se diante do quadro, tentando organizar os pensamentos. Observou os detalhes. A mão parecia ter traços mais delicados do que os anteriores. Havia algo feminino na anatomia. E mais perturbador ainda: a linha curva do pulso era idêntica à dela.

Clara respirou fundo, sentindo o peso do tempo e das repetições que se acumulavam em sua pele. Talvez a pergunta não fosse mais quem havia pintado a mão.

Talvez a pergunta fosse quando.

E se ela mesma tivesse feito aquilo, não como Clara, mas como um fragmento esquecido que agora voltava para lembrar?

Na base da pintura, quase invisível sob a textura espessa, havia uma palavra escrita com a mesma substância. Uma palavra curta, inclinada para a esquerda. Ela precisou de alguns segundos para reconhecê-la.

Lembre.

A Mão Pintada com Sangue – Capítulo 39