🜺 A Marcha dos Sem-Alma – Capítulo XVI

Quando o último farol se apagou nas Montanhas de Grelh, o véu entre os mundos se rasgou, não com violência, mas com sede.

Do rasgo, não vieram demônios. Vieram vazios. Seres sem voz, sem alma, sem lembrança. Entidades moldadas por desejos rejeitados, vontades esquecidas, promessas que nunca se cumpriram. Eles nasceram do que foi silenciado.

Chamam-nos de Sem-Alma, mas isso não os torna menos presentes. Caminham lentamente, mas nunca param. Não possuem olhos, mas encontram os que duvidam. Não falam, mas invadem o pensamento com lembranças que não são suas.

Atravessam portais como névoa atravessa frestas. Habitam corpos como hóspedes que jamais se anunciam. E quando entram… não tomam tudo de uma vez. Eles esperam. Sugam aos poucos. Primeiro a esperança. Depois, a identidade. Por fim, restam apenas olhos abertos, mas que já não enxergam.

Liora os viu de longe, uma procissão disforme, silenciosa, porém imensamente ruidosa por dentro. Nenhuma magia os detém. Nenhuma lâmina os toca. Porque eles não são feitos de matéria: são feitos de falta.

As antigas guardiãs da Noite de Cinza já haviam profetizado:

“Quando os que nunca foram desejados caminharem em uníssono, a realidade será só um eco do que foi negado.”

Eles não querem vingança.
Não querem salvação.
Eles querem ser.

E, para isso, precisam dos espaços que outros deixaram em si mesmos.

A marcha continua.
E cada passo arrasta um pedaço do mundo com ela.

“Não têm nome. Não têm dor. Apenas fome.”

🜺 A Marcha dos Sem-Alma – Capítulo XVI