A Meia Trocada e o Riso que Cura – Capítulo 66

O dia amanhece com preguiça, como se o próprio tempo estivesse deitado aos pés da cama. Luzia se espreguiça na poltrona, soberana em seu silêncio felino. Nilo, aos pés do espelho, observa as sombras como se soubesse segredos que ninguém mais vê. Lórien ressona em paz perto da porta, e Bravus ronca em intervalos serenos, como se marcasse compassos de uma música invisível.

No meio do quarto, o Rei calça suas meias sem prestar atenção. Uma azul-marinho. Outra cinza com pequenos triângulos. Ele se levanta como quem venceu o mundo. A Rainha, ainda envolta na penumbra das cobertas, observa e sorri com olhos que cintilam ternura.

Ela levanta devagar, caminha com a pele despida de pressa e envolve o corpo dele num abraço por trás. Encosta o rosto em suas costas e murmura entre dentes e desejo:
Até tua distração me conquista.
Um pé de cada cor. E mesmo assim, caminhas como quem não teme tropeçar em coisa alguma.

O Rei ri, sem se defender. Seu riso é um jardim que se abre só para ela. Ele se vira, segura seu rosto entre as mãos e responde com voz de vela acesa:
Se minhas meias não combinam, que culpa tenho eu, se meus olhos só buscam teu corpo ao acordar?

Ela ri alto, sem reservas, e o riso dela invade o quarto como sol pela janela entreaberta. Luzia se aninha mais fundo no tecido da poltrona, Nilo mia baixo, como se soubesse que algo sagrado acontece entre os dois. Lórien ergue uma orelha, e Bravus muda de lado, sem sair de seu devaneio canino.

A Rainha então segura a gola da camisa dele e a desce suavemente, deixando beijos em sequência, como quem escreve um poema no pescoço do seu amado.
Hoje, não me importa a ordem do dia, nem o caos das cores, meu Rei. Só quero te despir das distrações e vestir-te de mim.

O Rei responde com os olhos e com as mãos, que se aventuram pelo contorno das costas dela como quem lê um mapa secreto.
Quando ris, amor, todo o meu cansaço se dissolve. És remédio e milagre. És riso que cura.

E ali, entre um par de meias trocadas e carícias sem pressa, o amor encontrou mais uma maneira de vencer o tempo.

Luzia ronronou. Nilo fechou os olhos. Lórien suspirou. Bravus sonhou.
E o Reino seguiu em paz, envolto na dança silenciosa dos que se amam até quando riem.