✦ A Mochila dos Desejos Gentis – Capítulo 30

Em uma manhã nublada, quando o céu parecia pesar sobre os ombros do mundo, a bruxa Liora caminhava silenciosa pelas ruas de uma cidade fronteiriça. Ela usava um manto cinza, simples e leve, que se confundia com a bruma que subia dos becos. Sob o braço, trazia uma cesta de vime cheia de pequenas mochilas coloridas, feitas à mão, com bordados sutis em forma de luas, corações e folhas em espiral. O destino dela era o abrigo das crianças refugiadas, recém-instalado num antigo colégio abandonado.

As mochilas não eram comuns. Cada uma havia sido preparada com gestos delicados, durante madrugadas cheias de intenção. Dentro de cada costura, Liora havia soprado um desejo gentil. Proteção contra os pesadelos. Coragem em dias de silêncio. Memórias de um lar, mesmo que esse lar ainda não tivesse forma. E sobretudo, um símbolo mágico, escolhido com cuidado para cada criança, bordado à mão com fios dourados invisíveis para olhos apressados.

No pátio do abrigo, as crianças pararam de brincar quando a viram chegar. Elas não sabiam quem era aquela mulher de andar calmo e olhos que pareciam compreender tudo sem dizer nada. Mas havia algo em sua presença que aquietava o medo, como uma brisa morna em fim de tarde. Liora sorriu, sentou-se num banco de madeira descascada e começou a entregar as mochilas uma a uma. Não dizia palavra alguma, apenas olhava nos olhos de cada criança como se lesse uma carta escrita no fundo da alma.

Um menino de cabelos cacheados recebeu uma mochila azul-marinho com um símbolo de estrela bordado com linhas finas. Ele a segurou como se fosse um segredo. Uma menina tímida, que costumava se esconder atrás das colunas do abrigo, abraçou a sua mochila cor de vinho com uma flor prateada no centro e, pela primeira vez, se deixou ver por completo. Havia algo naquelas mochilas que não se explicava com lógica. Algumas crianças sorriam sem saber por quê. Outras choravam baixinho, como se um alívio antigo tivesse finalmente encontrado espaço para sair.

Durante a noite, enquanto as crianças dormiam com as mochilas aos pés da cama, pequenos lampejos de luz suave emergiam dos símbolos bordados. Nenhum adulto viu, mas dentro dos sonhos, cada criança recebeu uma mensagem única, como um sussurro no ouvido. “Você é amado.” “Você está seguro.” “Você vai encontrar seu caminho.”

Liora não voltou na manhã seguinte. Nem na outra. Mas, no abrigo, o silêncio passou a ser mais leve. As crianças sorriam mais facilmente. Algumas começaram a desenhar seus sonhos. Outras escreviam cartas para o futuro. E todas, sem exceção, levavam suas mochilas encantadas para onde quer que fossem, como se carregassem um pedaço invisível de esperança.

E assim, entre fios, símbolos e intenções, a bruxa ensinou que gentileza também é um tipo de magia. Da mais poderosa que existe. A que não precisa de palavras para curar.

A Mochila dos Desejos Gentis – Capítulo 30