A Noite em que o Gato Desligou a Luz – Capítulo 46

A noite no Reino de Veramor prometia ser tranquila, com um jantar leve à luz suave do abajur real. Os pratos estavam servidos, os guardanapos dobrados com esmero pela Rainha, e o Rei arrumara a mesa com flores recém-colhidas do jardim, como gesto de adoração à sua Deusa.

Mas bastou um deslize de um dos gatos, que, em sua travessura felina e reinante, pulou sobre a mesa e derrubou o interruptor. A casa mergulhou na escuridão. O susto virou gargalhada. O jantar, um banquete de sentidos.

No escuro, os dois cães latiram uma vez, se entreolharam e deitaram logo depois, rendidos ao silêncio curioso da penumbra. O outro gato pulou no colo da Rainha e ronronou como quem celebra o caos. A Rainha Vera Lúcia, sorrindo como quem guarda um segredo, inclinou-se até o ouvido do Rei e sussurrou com voz baixa e provocante:

Teu toque me ilumina mais que qualquer lâmpada.

O Rei, guiado apenas pela memória do corpo da sua Loira Linda, buscou a mão dela por entre os talheres, os fios de luz da lua e os sorrisos escondidos.

Ela brincou com os dedos dele como quem desenha mapas do desejo sobre a pele. Ele beijou sua mão como se fosse altar. E entre garfadas às cegas e tropeços em cadeiras, nasceu ali mais uma lembrança para a eternidade: a noite em que o jantar virou escuro, mas o amor continuou aceso em cada gesto, em cada palavra que não precisou ser dita.

No Reino de Veramor, até o breu é poesia quando a luz vem do peito.

A Noite em que o Gato Desligou a Luz – Capítulo 46