✦ A Ponte de Sonhos Compartilhados – Capítulo 36

A cidade dormia mergulhada num silêncio macio, como se o próprio tempo segurasse o fôlego. Entre o murmúrio longínquo dos carros noturnos e o sussurro das árvores nas calçadas, havia uma ponte antiga, de pedra viva, cujos arcos sustentavam mais do que concreto — sustentavam segredos. Era por ali, sempre à mesma hora, que a bruxa caminhava.

Ela surgia sem pressa, com passos suaves que não acordavam nem as pombas empoleiradas nos fios. Vestia um manto escuro de estrelas costuradas, e nas mãos trazia uma lanterna de vidro esmeralda, cujo brilho não feria os olhos. Essa luz parecia pulsar junto ao coração de quem olhava, como se soubesse exatamente o que a alma precisava ouvir.

A cada passo, a ponte suspirava sob seus pés. A bruxa parava às vezes para olhar a água que corria lá embaixo, espelhando a luz da lanterna em reflexos que dançavam como memórias. Diziam que quem a visse cruzando a ponte teria, naquela noite, um sonho especial. Não um sonho qualquer, mas um sonho onde alguém — às vezes uma voz familiar, outras vezes desconhecida — dizia exatamente aquilo que a pessoa precisava escutar para não desistir.

Muitos moradores juravam nunca tê-la visto. Outros, com olhos marejados, contavam que uma noite avistaram a silhueta dela no nevoeiro, e naquela mesma madrugada, sonharam com o pai que já se fora, com uma irmã distante, com a própria criança interior. E sempre, em cada sonho, havia uma mensagem sussurrada como um afago: “Você não está sozinho”, “Ainda há tempo”, “Confie em si”, “Vai passar”.

Havia quem tentasse esperá-la na ponte, lanterna na mão, na tentativa de forçar o milagre. Mas ela nunca vinha quando chamada. A bruxa da ponte aparecia apenas quando o coração estava realmente pronto para receber.

E assim seguia a tradição invisível. A cada madrugada, entre dois mundos — o do sono e o da vigília — a ponte se tornava um caminho de sonhos compartilhados, onde a presença silenciosa de uma bruxa acendia, por um instante, a centelha da esperança nos corações adormecidos da cidade.

A Ponte de Sonhos Compartilhados – Capítulo 36