A Porta Pintada – Capítulo 46

Clara voltou à sala onde a última moldura vazia ainda esperava. A luz da tarde filtrava-se pelas frestas da janela, lançando sombras suaves sobre o chão de madeira antiga. O silêncio parecia suspenso, como se algo contivesse a respiração da casa. Mas dessa vez, ela sentiu um chamado. Algo vibrava no ar, puxando-a para o centro do círculo formado pelas pinturas.

No chão, diante da parede onde antes nada havia, começou a surgir lentamente uma nova imagem. Clara observava, imóvel, enquanto a madeira parecia suar tinta por entre as ranhuras. Primeiro, vieram linhas retas e verticais. Depois, contornos curvos e uma maçaneta irregular. Não foi pintada por suas mãos. Era como se a própria casa estivesse desenhando algo esquecido.

Uma porta tomou forma ali. Não apenas uma pintura, mas uma porta real em aparência, com sombras coerentes, textura, relevo. Clara se aproximou sem hesitar. Sentia o coração bater fora do ritmo, como se antecipasse uma mudança de estado.

Ela estendeu a mão. Ao tocar a superfície da tinta ainda úmida, seus dedos atravessaram o que deveria ser madeira sólida. Não houve resistência. Era como mergulhar em água morna, espessa, silenciosa.

E naquele instante, Clara entendeu. Aquilo não era uma representação. Era um limiar. Era o que Elias deixara para que, um dia, ela pudesse atravessar.

A Porta Pintada – Capítulo 46