✦ A Primeira Luz da Última Bruxa – Capítulo 1

O sol ainda subia lento sobre as colinas que abraçavam a vila de Montelume. A neblina da manhã se dissipava como véus antigos, e os primeiros raios de luz filtravam-se pelas árvores com a doçura de um presságio. Entre as hortas e o cheiro de pão fresco, uma menina de cabelos castanhos cacheados e olhos atentos caminhava descalça, como quem ouve segredos do chão. Chamava-se Elara.

Ela sempre fora diferente. Não pelos feitiços ou encantamentos, até então desconhecia qualquer um, mas pelo modo como enxergava tudo com ternura feroz. Os moradores diziam que ela ouvia as plantas, que falava com os corvos, que o vento parecia brincar em volta dela. Elara apenas sorria. Não sabia se era verdade, mas sentia que algo nela despertava em momentos que ninguém via.

Naquela manhã, à beira do riacho, Elara encontrou um cão. Pequeno, o pelo emaranhado de barro e sangue seco, uma das patas dobrada num ângulo doloroso. Ele gemia baixinho, olhos marejados de dor, mas não de medo. Havia algo naquela menina que acalmava.

Ela se ajoelhou sem hesitar. Suas mãos tocaram a pata ferida com delicadeza. E, pela primeira vez, brilhou. Uma luz suave, âmbar e quente, nasceu de seus dedos. Não era fogo, nem chama comum, era um calor antigo, como um abraço da própria Terra.

O cão se aquietou. A pata se esticou lentamente, os ossos voltando ao lugar com um estalo mudo. Elara não sabia de onde viera aquilo, mas também não duvidava. Algo havia sido revelado, não por palavras, mas por essência.

Nesse instante, uma mulher idosa, que observava da varanda da padaria, sussurrou:
— A última nasceu.

Nos dias que se seguiram, as pessoas passaram a notar pequenas mudanças. As flores brotavam com mais cor nos lugares onde Elara andava. Os sonhos eram mais serenos. Crianças dormiam sem pesadelos. E o cão, agora seu fiel companheiro, andava ao seu lado como um guardião mudo da magia recém-desperta.

Elara ainda não conhecia os antigos rituais, os livros de folhas de carvalho ou os círculos traçados sob a lua. Mas, no fundo, ela já sabia: sua missão não era assustar. Era equilibrar. Não era dominar. Era curar.

E ali, na luz daquele dia que seria lembrado, nasceu a primeira centelha da última bruxa.

Série: Entre Ervas e Estrelas

A Primeira Luz da Última Bruxa – Capítulo 1