A Primeira Mudança

Acordar na casa do avô trazia sempre uma sensação estranha, como se cada objeto tivesse uma vida própria, silenciosa e oculta. Naquela manhã, Lucas percebeu algo diferente antes mesmo de se levantar. A luz que entrava pela janela parecia iluminar a sala de forma incomum, destacando um detalhe que não estava ali no dia anterior.

Ao caminhar pelo corredor, encontrou-se diante de uma pintura pendurada na parede. O coração acelerou quando reconheceu o estilo inconfundível de Helena. As cores fortes, os traços firmes, a delicadeza nos detalhes do horizonte denunciavam a autoria. Mas aquela obra era totalmente nova para ele. Nunca a havia visto, nem em sua juventude, nem em qualquer lembrança.

Lucas aproximou-se, quase temendo tocar a moldura, como se o quadro fosse um portal prestes a se desfazer. A cena retratada era de um entardecer na praia, mas não era qualquer entardecer. Era o mesmo que ele havia revivido na noite anterior, o mesmo instante em que estivera com ela, observando o mar se tingir de dourado.

A mente se encheu de perguntas. Se aquela pintura existia agora, significava que suas idas ao passado estavam deixando marcas no presente. O quarto onde dormira parecia respirar em silêncio, como cúmplice de sua descoberta. A casa inteira parecia carregar a vibração dessa mudança, como se estivesse se ajustando a uma nova linha do tempo.

Ele se sentiu dividido entre o fascínio e o medo. Fascínio por ter diante de si a prova concreta de que o dom do avô era real e poderoso. Medo por não saber até onde isso poderia ir. Se pequenas alterações já se manifestavam em quadros e objetos, que outras memórias poderiam estar sendo reescritas?

Lucas sentou-se diante da pintura, tentando absorver cada traço, cada cor. No fundo, sabia que o simples fato de contemplá-la já o tornava diferente. Nada no presente parecia fixo. Tudo poderia mudar, e ele era a chave dessa transformação.