A Tela Inacabável – Capítulo 26

O silêncio da sala secreta era denso como o tempo. Clara passou os dedos pelo cavalete empoeirado, onde uma tela limpa aguardava, tensa como a superfície de um lago antes da tempestade. As janelas fechadas deixavam apenas um feixe oblíquo de luz atravessar a penumbra, iluminando o espaço exato onde ela decidira pintar.

Segurava o pincel com a mesma hesitação de alguém que abre uma carta não endereçada a si. Mesmo assim, mergulhou a ponta na tinta azul e traçou, com firmeza, o contorno de uma árvore solitária. Suas mãos tremiam, mas havia algo quase sagrado na tentativa de traduzir em cor o que vinha sentindo desde que entrara naquela casa. O gesto era seu, mas a intenção, não sabia mais de quem.

Terminou o primeiro traço. Depois o segundo. A copa da árvore, o tronco, um céu. Passou horas ali, pintando em silêncio. Quando recuou para observar o que havia feito, sentiu o primeiro arrepio: o azul começava a desaparecer. Primeiro no canto esquerdo, depois em torno da base. Em menos de um minuto, tudo se desfez.

A tela ficou branca outra vez. Inquieta, Clara tocou a superfície. Estava seca. Tocou de novo, com mais força. E então, ao esfregar a palma sobre o tecido, percebeu: imagens surgiam por baixo, delicadas, em tom sépia, como memórias desenhadas à mão. Mas não eram suas.

Elias havia respondido.

Ali, onde antes estivera sua árvore, surgiu o esboço de um rosto feminino, com olhos tristes e um lenço sobre os cabelos. Ela reconheceu a expressão antes de reconhecer o próprio rosto. Era ela. Ou… Lisbeth?

Assustada, recuou dois passos. Olhou ao redor. Ninguém. Mas a atmosfera da sala se tornara densa, quase viva. Sentou-se diante da tela, respirando com dificuldade, o pincel agora caído ao chão. Sabia que não estava só. Sabia também que aquilo não era mais pintura.

Era comunicação.

Com mãos trêmulas, Clara recomeçou. Traçou uma linha, agora sem intenção de concluir nada, apenas para provocar a resposta. Quando a tinta secou, ela esfregou de novo. Desta vez, Elias desenhou uma mão estendida. A mesma de seus sonhos. Mas agora, no fundo da imagem, outra mão surgia, hesitante, espelhando o gesto.

Duas mãos que se buscavam. E que talvez, finalmente estivessem prestes a se tocar.

Clara sentiu uma lágrima escorrer, e não soube dizer se era sua… ou de Elias.

A Tela Inacabável – Capítulo 26