A Voz do Retrato – Capítulo 16

“Todo eco é uma lembrança que insiste em voltar, mesmo quando esquecida.”

Naquela noite, o sono de Clara não foi um refúgio, mas um mergulho. Assim que fechou os olhos, sentiu-se atravessando uma névoa espessa, e quando emergiu do outro lado, estava diante do retrato da mulher de olhos tristes, o mesmo que encontrara virado para a parede dias antes. Mas agora, não era tinta sobre tela. A figura respirava.

O ambiente ao redor era uma versão etérea do sótão, como se estivesse suspenso entre o tempo e a memória. O quadro pulsava em tons suaves, e os olhos da mulher se voltaram diretamente para Clara.

— Eco… disse ela com uma voz que parecia atravessar paredes internas. Você está perto. O ciclo quase se completa.

Clara sentiu o chão desaparecer sob seus pés, mesmo sem cair. “Eco”? Era como se a palavra reverberasse dentro dela, mais profunda do que seu próprio nome.

— Quem é você? perguntou, mas sua voz saiu abafada, como se falasse de dentro d’água.

A mulher sorriu, com melancolia. Sua mão estendida se moveu, como se quisesse tocar Clara através da barreira invisível do sonho.

— Sou a lembrança. Sou o que resta. E você, Clara, é o que retorna. Sempre retorna.

Aquelas palavras a atravessaram como um trovão silencioso. Fragmentos de sensações vieram à tona, o anel, o espelho, o nome de Elias, as datas desencontradas. Tudo parecia convergir para um mesmo centro.

— Por que me chama de “Eco”? insistiu.

— Porque você é o retorno do som original. A repetição viva do que não pôde ser concluído. Elias sabia. Lisbeth tentou avisar. Agora, é você quem deve escolher se o véu será selado… ou rasgado de vez.

Antes que Clara pudesse perguntar mais, a mulher ergueu a mão com mais firmeza e, por um segundo, seus dedos quase tocaram os dela.

O mundo desfez-se em luz e sombra.

Clara acordou ofegante, o coração em disparada. O retrato permanecia imóvel na parede, mas os olhos, ela jurava, não estavam mais tão tristes.

E em sua mente, uma única palavra ainda ecoava:
Eco.

A Voz do Retrato – Capítulo 16