A Voz nas Entrelinhas

Os dias passam com a lentidão de um sonho que não quer despertar. Clara vive entre o espanto e o fascínio desde que começaram a chegar as novas cartas. Nenhum mensageiro, nenhum remetente, apenas envelopes deixados diante da porta ao amanhecer. O papel tem o mesmo perfume antigo das primeiras cartas, e a caligrafia, embora mais firme, carrega a mesma ternura familiar.

Ela as abre com mãos trêmulas. Em cada uma, Elias escreve palavras que parecem atravessar o tempo. Há trechos de poemas, fragmentos de lembranças, confissões que se misturam às memórias dela. Ele fala de noites à beira-mar, de risadas sob chuva, de uma despedida que partiu o mundo ao meio. Tudo soa verdadeiro, mas Clara não consegue se recordar de nada.

Ainda assim, as palavras a tocam de um modo inexplicável. É como se a alma compreendesse o que a mente esqueceu. A leitura a envolve completamente, e o silêncio do quarto se transforma em um santuário. À medida que lê, tem a sensação de ouvir a voz dele sussurrando cada frase perto do seu ouvido, com uma doçura que a faz estremecer.

As cartas chegam em momentos aleatórios: sobre a mesa do café, dentro de livros que ela não lembrava de ter aberto, até mesmo sob o travesseiro. Cada aparição desafia qualquer lógica, e ainda assim parece natural, como se fossem destinadas a encontrar o caminho de volta a ela.

Elias escreve sobre o poder da lembrança, sobre o perigo de apagar o que dói, sobre o amor que insiste em sobreviver mesmo no esquecimento. Fala de um encontro prometido, de um recomeço possível, de uma história que jamais se permitiu terminar.

Clara passa as noites relendo suas palavras, como quem se prepara para reencontrar alguém que já vive dentro de si. À medida que as páginas se acumulam, o quarto parece ganhar vida. O ar se torna mais denso, o relógio mais lento, e a solidão começa a ceder espaço a uma presença invisível.

Ela fecha os olhos e repete mentalmente uma das frases escritas por ele: “O amor não precisa da memória para existir.” E nesse instante, Clara sente que Elias não está distante. Está ali, nas entrelinhas, respirando junto com ela.