✦ As Páginas do Desapego

O silêncio daquela biblioteca era diferente. Não era o silêncio comum entre estantes empoeiradas, mas uma quietude profunda, que parecia repousar sobre o peito como um cobertor quente. Ali, entre colunas de madeira polida e janelas altas que filtravam a luz da manhã, repousava uma coleção de livros que não podia ser encontrada em nenhuma outra parte do mundo. A biblioteca da bruxa do desapego abrigava volumes únicos, mágicos, escritos por mãos invisíveis, movidas por memórias que buscavam partir em paz.

A bruxa tinha cabelos longos entremeados por fios prateados, olhos de quem já leu todas as dores humanas, e uma presença acolhedora que dispensava palavras. Com delicadeza, ela recebia os visitantes e os conduzia por corredores repletos de livros silenciosos. Cada pessoa, ao tocar uma lombada, fazia com que um único exemplar se desprendesse da estante, como se o livro a tivesse escolhido.

A leitura era um ritual íntimo. Em mesas de madeira clara, à luz de velas que nunca derretiam, as pessoas se debruçavam sobre páginas que pareciam sussurrar segredos esquecidos. Histórias pessoais, medos antigos, amores não ditos, despedidas nunca completas. O livro mostrava tudo. Não como julgamento, mas como libertação. Ao chegar à última página, o papel se desfazia em partículas douradas, que flutuavam até desaparecer no ar. E com elas, algo dentro da pessoa também partia.

A bruxa não dizia muito. Apenas sorria com os olhos quando alguém se levantava com o rosto leve, mesmo molhado de lágrimas. Ela sabia que aquele livro cumprira seu papel. As páginas do desapego não eram para serem guardadas. Eram para serem sentidas, choradas, entendidas. E depois, esquecidas como um sonho que já ensinou tudo o que precisava ensinar.

Em um canto especial da biblioteca, havia um caderno de capa vazia. Quem quisesse podia deixar ali uma palavra, um nome, ou apenas um ponto final. Era a única coisa que permanecia. As histórias, essas seguiam para um lugar onde os pesos antigos iam dormir, e onde o novo finalmente encontrava espaço para nascer.