As Pálpebras do Tempo – Capítulo 170

Reino de Veramor nova capa

As Pálpebras do Tempo

A manhã chegou ao quarto com uma luz delicada, filtrada pelas cortinas claras que se moviam suavemente com a brisa. O Rei despertou devagar, sentindo nas pálpebras o peso manso do tempo. Não era dor, nem tristeza. Era a consciência serena de um corpo que havia atravessado muitas vigílias, muitos cuidados, muitos dias entregues ao amor. Ele permaneceu alguns instantes imóvel, ouvindo a própria respiração, como quem reconhece o ritmo novo que a vida começa a pedir.

Ao seu lado, a Rainha já estava desperta. Sua presença iluminava o espaço de um modo que nenhuma claridade exterior seria capaz. Ela observava o Rei com um olhar cheio de compreensão, desses que não questionam, apenas acolhem. Aproximou-se com passos silenciosos e estendeu sobre ele um manto leve, deixando que o tecido repousasse sobre seu corpo como uma promessa de descanso. Em seguida, inclinou-se e depositou um beijo suave em sua testa, um gesto simples que continha tudo o que as palavras não alcançam.

Os dois gatos do Reino acompanhavam a cena com atenção tranquila. Lórien estava aos pés da cama, enroscado como um guardião antigo, mantendo sua vigília silenciosa mesmo na quietude da manhã. O outro gato repousava próximo à janela, atento ao movimento da luz, abrindo e fechando os olhos como se também sentisse o ritmo lento daquele despertar. Seus corpos felinos traziam ao quarto uma sensação de equilíbrio, como se ensinassem que descansar também é uma forma de sabedoria.

Os dois cachorros completavam a harmonia do ambiente. Nilo permanecia sentado perto da porta, observando o Rei com sua lealdade habitual, pronto para se aproximar caso fosse chamado. O outro cachorro estava deitado mais adiante, com o focinho apoiado nas patas, acompanhando tudo em silêncio, como quem respeita a delicadeza do instante. Ambos compreendiam, à sua maneira, que aquela manhã pedia calma, presença e cuidado.

Ícaro, o mais novo integrante de penas, pousou suavemente no parapeito da janela. Seu canto não era forte nem prolongado, mas um som curto e doce, suficiente para anunciar o dia sem perturbar o repouso do Rei. As asas se fecharam com elegância, e ele permaneceu ali, observando, como se quisesse participar daquele rito silencioso de aceitação e ternura.

O Rei abriu os olhos e encontrou o olhar da Rainha. Não havia preocupação entre eles, apenas reconhecimento. Ele compreendeu que o tempo não o enfraquecia, apenas o transformava. Cada sinal em seu corpo era parte de uma história vivida em profundidade, uma narrativa escrita com escolhas, renúncias, cuidados e amor constante. Sentiu gratidão por não precisar esconder o cansaço, por poder ser visto exatamente como era.

A Rainha sentou-se ao seu lado e segurou sua mão com firmeza suave. Nesse gesto, havia a confirmação de que envelhecer juntos é aprender a amar de formas novas, mais calmas, mais verdadeiras. O quarto parecia respirar com eles. A luz avançava lentamente, os animais mantinham sua presença serena, e Ícaro observava tudo como quem guarda uma memória preciosa.

As pálpebras do tempo se fecharam um pouco mais, não para apagar a vida, mas para suavizá-la. O Rei permitiu-se repousar novamente, envolto pelo manto, pelo beijo, pelo silêncio habitado de amor. E naquela manhã tranquila, o Reino de Veramor testemunhou mais uma forma de beleza, aquela que nasce quando o amor aprende a acolher todas as transformações da vida com aceitação, ternura e paz.

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