As Sombras de Elias – Capítulo 20

“Nem toda voz precisa de corpo para ecoar no tempo. Algumas são feitas de sombra e arrependimento.”

Naquela noite, o sótão parecia mais denso. Clara, sentada sobre o velho tapete empoeirado, voltou a ouvir as fitas do gravador. O chiado habitual preenchia o silêncio da casa como um véu. Mas, dessa vez, algo novo emergiu.

Uma voz diferente.

Mais grave, rouca, arrastada.

— “Você não devia ter feito isso.”

A voz de Elias respondia, agora aflita:

— “Eu não tive escolha. Era ela ou o vazio.”

Silêncio.

Depois, o som de passos e objetos sendo derrubados, como se uma luta silenciosa se desenrolasse fora do alcance da visão, mas não da escuta.

Clara arregalou os olhos. Nunca ouvira aquela gravação antes. Era como se tivesse sido adicionada recentemente. Mas o gravador era analógico. Impossível. A fita estava ali desde o início.

Enquanto escutava, sentiu uma mudança sutil na iluminação ao seu redor. As sombras nas paredes começaram a se mover.

Assustada, ela olhou para o espelho no canto. Não era o reflexo da sala que via, mas de duas figuras discutindo acaloradamente. Uma delas, Elias, o outro, sua imagem distorcida, mais escura, como um duplo criado a partir de angústias reprimidas.

As sombras se separaram. A escura permaneceu.

Clara se virou lentamente para a parede. As sombras se projetavam sozinhas, mesmo sem corpos.

E então, no canto da sala, ouviu a voz grave novamente. Sem o gravador.

— “Eco… Ele tentou te esconder de mim. Mas você já sabe quem é.”

O gravador parou abruptamente. A fita se partiu sozinha.

Clara ficou paralisada. Não estava mais sozinha com lembranças e objetos.

Estava entre ecos e sombras.
E uma delas, finalmente, começava a falar com clareza.

As Sombras de Elias – Capítulo 20