✦ Assinatura de Matteo e as Datas Impossíveis – Capítulo 2

A noite havia chegado sem que Ana percebesse. A única luz no porão era a da lâmpada pendurada, que lançava sombras alongadas pelas paredes de pedra, enquanto o som da chuva no telhado preenchia o silêncio com um lamento constante.

Ela já havia lido três cartas. Estavam todas assinadas com o mesmo nome: Matteo Rossi. O nome se repetia com elegância no final de cada página, como uma assinatura antiga que carregava peso, presença, história.

Mas o que mais a inquietava não era o nome — era o tempo.

A primeira carta datava de 11 de março de 1979. A segunda, de agosto de 1982. A terceira, do inverno de 1989. A cada envelope que abria, uma nova camada de impossibilidade se revelava: todas as cartas foram escritas antes de seu nascimento, em 1995. E todas, sem exceção, começavam com a mesma saudação:
“Minha querida Ana…”

Era como se ele soubesse que ela existiria. Como se escrevesse não para a filha de alguém, mas para ela, exatamente ela. E isso fazia seu peito apertar com um tipo estranho de emoção — não exatamente medo, mas um desassossego profundo, como se estivesse sendo observada por alguém de outro tempo.

Abriu a quarta carta com dedos hesitantes. O papel, macio pelo tempo, exalava um cheiro leve de madeira e tinta antiga. Ela leu em silêncio:

“Ana,
Hoje o céu está limpo, mas meu coração permanece nublado. Há tanto que eu gostaria de te dizer em voz alta, mas tudo que posso fazer é escrever. O tempo nos trai de formas que nem sempre entendemos, mas mesmo assim, continuo acreditando que um dia você entenderá tudo.
Há verdades que só o silêncio respeita. E há amores que o tempo não consegue apagar.”

Mais uma vez, a assinatura elegante fechava a página: Matteo Rossi.

Ana encostou-se à parede fria atrás de si, sentindo a pedra úmida através da blusa fina. Seus olhos estavam fixos no vazio à frente, mas sua mente girava em círculos. Quem era esse homem? Por que escrevia para ela como se a conhecesse antes mesmo de ela nascer?

Levantou-se devagar, pegando alguns envelopes que ainda estavam dentro da caixa. No verso de cada um, a caligrafia firme do remetente. Mas nenhum endereço. Nenhuma explicação. Apenas palavras cuidadosamente depositadas como se tivessem sido escritas sob o peso de um amor antigo.

Ela sentiu a necessidade urgente de saber mais. De confirmar se aquele nome era real, se Matteo Rossi existiu mesmo. Subiu as escadas com a caixa nos braços, o som da madeira rangendo a cada passo. No corredor escuro, acendeu uma luz amarelada, tropeçando em lembranças pelo caminho.

Na sala, havia um armário de madeira com documentos da família. Vasculhou pastas, álbuns, registros antigos… e lá estava. Uma fotografia pequena e envelhecida: sua mãe, ainda jovem, ao lado de um homem alto, de olhar doce e braços em volta dela. Atrás da foto, escrito à caneta:
“Julieta e Matteo – Verão de 1984”

Ana parou. O nome não era um delírio. Era real. E, ao que tudo indicava, ele conhecera sua mãe.

Mas por que aquelas cartas estavam escondidas? Por que sua mãe nunca lhe falou sobre ele?

A verdade, percebeu, era que ela sabia muito menos da mulher que a criou do que imaginava. E agora, entre os rastros deixados por um amor antigo, restava a Ana reconstruir o que o tempo e o silêncio tentaram enterrar.

E ali, naquela noite chuvosa, nasceu a pergunta que a acompanharia até o fim:
Quem foi Matteo Rossi… e por que ele escreveu para ela antes mesmo de ela existir?

Assinatura de Matteo e as Datas Impossíveis – Capítulo 2