Cartas Escritas no Futuro

Ana havia passado boa parte da vida escrevendo cartas para um destinatário ausente, alguém que só existia na memória ou na imaginação. Eram palavras que atravessavam o tempo, carregadas de esperanças, de perguntas não respondidas e de silêncios que pareciam eternos. Essas cartas guardavam a essência de um diálogo que nunca acontecia de fato, mas que a mantinha viva em sua própria narrativa.

Agora, o tempo havia mudado. Ela não precisava mais enviar suas palavras para um lugar distante ou para um coração que talvez nunca as lesse. O destinatário estava ali, sentado ao seu lado, respirando o mesmo ar, partilhando o mesmo instante. As cartas não eram mais seladas nem guardadas em gavetas. Passaram a ser entregues na forma de bilhetes deixados sobre a mesa do café, anotações presas na porta da geladeira ou palavras escritas em um pedaço de papel que repousava sobre o travesseiro antes do amanhecer.

A escrita de Ana ganhou outro ritmo. Já não havia a urgência de ser compreendida no futuro, porque agora cada frase encontrava olhos atentos no presente. As palavras tinham o calor da presença, e não o frio da espera. O ato de escrever deixou de ser um gesto solitário e tornou-se uma extensão do que viviam juntos.

Em algumas manhãs, Ana ainda se surpreendia ao ver que, mesmo com a pessoa ao lado, sentia vontade de escrever. Percebia que o hábito não se tratava apenas de distância, mas de um desejo de preservar o instante, de fixar na eternidade pequenas coisas que poderiam se perder no esquecimento.

Assim, suas cartas do futuro se transformaram. Continuavam sendo cartas, mas já não buscavam um retorno improvável. Agora, eram pedaços de afeto que encontravam resposta imediata, com um sorriso, um olhar ou um toque de mão. Eram, de alguma forma, cartas escritas no futuro, mas vividas intensamente no presente.