Filhas do Eco – Capítulo III – Caelinne – A que se nega ao dom

Caelinne nasceu no vale dos espelhos, um lugar onde os ventos pareciam sussurrar verdades que ninguém ousava dizer em voz alta. Desde muito jovem, ela percebia quando alguém mentia — não por palavras, mas por pulsares. Via o coração das pessoas, não o físico, mas o simbólico: suas dores, desejos, vergonhas e contradições. Era como olhar através da carne e tocar diretamente o que se escondia por trás do rosto.

No início, foi celebrada. As aldeias vinham de longe para que ela revelasse traições, intenções ocultas ou sentimentos não confessos. Mas Caelinne, com o tempo, percebeu que sua vida deixava de ser dela. Tornou-se ferramenta, oráculo, um espelho que os outros usavam sem jamais se perguntarem o que ela via quando se olhava por dentro.

Ela fugiu.

Quebrou os laços com o Círculo, queimou seus rituais e sumiu em uma floresta onde o eco não responde. Criou uma nova identidade entre nômades, viveu com as mãos sujas de barro e aprendeu o silêncio como proteção. E durante todo esse tempo, tentou sufocar o dom — como se fosse possível silenciar o que nasce do sangue.

Mas com a ruptura do Círculo, os velhos chamados retornam.

As novas linhas traçadas pelas bruxas fizeram o solo estremecer. E Caelinne, mesmo distante, sentiu. Suas mãos tremeram. O dom, que parecia adormecido, voltou a queimar como ferro em brasa. Os rostos começaram a surgir nos sonhos. Os corações alheios pulsavam nos seus ouvidos como um tambor. E entre eles, um chamado mais antigo do que o próprio dom: Elariah.

Caelinne sabe que será convocada. Sabe que não poderá fugir para sempre. Mas ela não é mais a jovem dócil dos rituais passados. Volta com raiva. Com crítica. Com perguntas que ninguém ousava fazer antes.

Volta para exigir um novo papel. Porque, desta vez, não aceitará ser instrumento. Caelinne quer ser escolha.

“O dom não é bênção quando se torna prisão.”

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