O Cabelo Embaraçado e o Toque que Desata – Capítulo 70

O dia começa preguiçoso, com uma luz dourada filtrando pelas frestas da cortina. No quarto ainda meio adormecido, Luzia se espreguiça sobre o lençol amassado, enquanto Nilo aproveita o calor do corpo da Rainha Vera, deitado junto ao seu travesseiro. Lórien já está deitado à porta, atento a qualquer sinal de movimento, e Bravus, fiel à rotina, observa da varanda o jardim úmido de orvalho.

Vera acorda com os olhos semiabertos, o cabelo embaralhado como quem sonhou entre tempestades. O lençol caído sobre os ombros revela um pouco da pele fria da manhã, mas é o emaranhado dos fios que a incomoda. Passa a mão por eles em tentativa frustrada de domá-los, suspira e se rende ao instante.

O Rei, já acordado, senta-se ao seu lado sem dizer palavra. Ele observa, com ternura paciente, os nós formados durante a noite. Seus dedos vão até o cabelo dela como quem entra em floresta sagrada, com respeito e delicadeza. Ele desfaz os nós um a um, como quem desata o silêncio entre dois que se entendem sem esforço.

Ela permanece imóvel, sentindo mais do que agradecendo. Os dedos dele seguem como vento entre galhos, encontrando caminhos por entre os fios, sem pressa, sem querer moldar, apenas libertar. A cada nó desfeito, um pensamento bom. A cada mecha solta, um rastro de cuidado invisível.

Luzia observa tudo com os olhos semicerrados, como quem compreende o sagrado do gesto. Nilo se espreguiça sobre o travesseiro e boceja, ignorando a solenidade da cena. Lórien rosna baixinho ao ouvir um passarinho cruzando o telhado, mas logo se cala. Bravus apenas se deita, como se guardasse a paz daquele momento.

Quando termina, o Rei afasta uma mecha do rosto dela e a prende suavemente atrás da orelha. Olha com olhos que não pedem nada, mas reconhecem tudo. E diz, em voz baixa, quase como quem fala para si mesmo, “Cada fio teu é uma trilha onde meu desejo se perde.”

Ela não responde. Apenas segura a mão dele e encosta o rosto, como quem diz sem palavras: obrigada por me lembrar que até o que nasce bagunçado pode ser cuidado com amor. E então, o dia pode começar.