O Caderno de Lisbeth – Capítulo 14

“Quando dois sonham o mesmo sonho, o véu entre eles se torna papel.”

Ainda atordoada pelo sussurro da pintura, Clara sentiu um chamado inexplicável para uma parte da sala onde nunca havia prestado atenção. Um painel de madeira, levemente afastado da parede, revelava uma fresta quase imperceptível. Ao pressioná-lo, ouviu um leve estalo. O painel se moveu, revelando um nicho escuro.

Dentro, envolto em poeira e amarras envelhecidas, repousava um caderno de capa marrom, desgastada nas bordas, mas com um detalhe marcante: uma fita roxa presa na lombada. Clara reconheceu a caligrafia delicada logo nas primeiras páginas — Lisbeth.

As folhas estavam repletas de anotações, ilustrações e fragmentos de sonhos. O que mais a perturbou, no entanto, foi a semelhança desses relatos com os que lera no diário de Elias, e com seus próprios sonhos recentes.

“Sonhei com uma escada que descia para dentro de mim mesma.”
“A mão ainda me chama, mas agora não parece mais hostil, parece saber.”
“Alguém me observa no espelho. Tem olhos que carregam perguntas que eu mesma esqueci.”

Clara passou as páginas com avidez, até encontrar um trecho sublinhado com força:

“Elias sonhou o mesmo que eu na mesma noite. Mas ele viu o final. Eu ainda não estou pronta para lembrar.”

Na margem, uma anotação posterior, em uma caligrafia ligeiramente tremida:
“Se ela encontrar este caderno, é porque também já sonhou.”

Clara sentiu a pele arrepiar. Era como se o caderno a esperasse. Como se Lisbeth soubesse que, um dia, ela o abriria.

E no final, um recado escrito em carvão, como se tivesse sido acrescentado às pressas:
“Clara, o tempo não separa quem compartilha o mesmo chamado. Cuidado com o que lembra.”

As palavras pareciam pulsar na página. Como se Lisbeth ainda falasse, de algum lugar entre os sonhos e a madeira envelhecida do sótão.

O Caderno de Lisbeth – Capítulo 14