O Círculo das Oito – Capítulo IV: Kaela – A que acalma as águas (Elemento: Água)

Kaela nasceu entre o sal do mar e o sussurro das conchas. Ouvem-se lendas nas vilas costeiras de que foi gerada num raio de tempestade e parida entre corais por uma sereia de voz ancestral. Foi encontrada enrolada em algas por uma velha pescadora muda, que a criou com gestos, olhares e silêncio — e talvez por isso, Kaela tenha aprendido a escutar o que não era dito.

Desde pequena, a água a obedecia como se fosse extensão de sua alma. Um balde, uma poça ou o oceano inteiro — bastava um toque ou um suspiro seu, e tudo se movia. Sabia invocar redemoinhos num cálice, como também acalmar o furor de uma ressaca com o simples fechar dos olhos. Não usava palavras; sua magia fluía pela emoção, como a maré que sobe e recua sem jamais precisar se explicar.

Ela ouvia os peixes, murmurava com as ondas e era íntima das lágrimas. Para Kaela, toda gota d’água tinha memória — de dor, de alegria, de perda ou renascimento. Suas próprias lágrimas eram raras, mas quando vinham, a terra se cobria de chuva onde quer que caíssem, como se o mundo também compartilhasse seu pesar.

Na noite do grande ritual, quando as fronteiras entre os mundos se afinavam como véus ao vento, foi Kaela quem purificou o lago sagrado. Mergulhou os dedos e, em silêncio, pediu que a água se lembrasse de ser portal. E ela obedeceu. Tornou-se espelho, um limiar entre o visível e o oculto, entre o agora e o eterno.

Ela dizia — ou melhor, escrevia em suas conchas encantadas:

“Toda emoção que escapa pela lágrima já foi feitiço um dia.”

E quem a via, de longe, sentada nas pedras da costa, com o olhar perdido no horizonte, sentia sem saber: havia algo nela que tornava o mundo mais suave. Mais fundo. Mais vivo. Como só a água sabe ser.

O Círculo das Oito – Capítulo IV: Kaela – Continua