✦ O Coração do Rio – Capítulo 17

Maíra caminhou por entre pedras úmidas e raízes silenciosas, guiada por um fluxo invisível que não fazia barulho, mas que ecoava dentro dela como um chamado antigo. O caminho se estreitava, os sons da floresta desapareciam um a um, e logo só restava o pulsar delicado de sua própria respiração misturada ao ritmo do que vinha adiante.

Chegou a uma clareira escondida por véus de névoa tão sutis que pareciam feitos de respiração. No centro, uma nascente jorrava lentamente uma água tão clara que mais parecia feita de luz líquida. Não havia correnteza, nem barulho. Só um silêncio denso e vivo, como se ali morasse o princípio de tudo.

Maíra ajoelhou-se diante da fonte e, ao tocar a água, sentiu sua pele vibrar como se os limites do seu corpo fossem dissolvidos. A nascente pulsava. Não como um simples movimento de água, mas como o bater de um coração. O coração do rio. O coração dela.

Ali, naquele instante imóvel, entendeu o que nunca havia sido dito em palavra alguma. Ela não era apenas uma viajante, nem uma guardiã nomeada por antigas forças. Era parte do próprio rio. Sua carne era feita de correnteza. Seus pensamentos, de espuma leve. Suas dores, dos redemoinhos que o tempo cava em todo leito. E seus silêncios… eram os remansos onde o mundo se escuta sem pressa.

Cada escolha que fizera havia desenhado margens. Cada palavra dita, cada gesto, havia sido como pedrinhas lançadas à superfície, criando ondas que tocavam muito além do que seus olhos alcançavam. E cada silêncio… ah, os silêncios… eram como poços de profundezas intocadas onde as vozes do mundo repousavam até serem sonhadas de novo.

Maíra permaneceu ali por um tempo que o tempo não mediu. Não pediu nada. Não levou nada. Apenas se lembrou de si mesma. E ao se lembrar, compreendeu que tudo o que buscara já estava dentro dela desde o início.

O rio não era apenas um caminho. Era um espelho. E agora, espelhava de volta sua verdadeira face. Uma que fluía, que sentia, que lembrava. Uma que sabia.

Ao se levantar, não havia mais separação entre Maíra e a nascente. O que partira, agora retornava.

E o rio, silenciosamente, seguia fluindo com um novo brilho.

O Coração do Rio – Capítulo 17