O Desencontro do Tempo

Durante sete dias, Clara viveu na expectativa de encontrar algo na varanda. O frio se tornava mais intenso, e a neve cobria os degraus até quase esconder a madeira antiga. Cada manhã, antes mesmo de preparar o café, ela abria a porta e espiava. Nada. E, a cada ausência, um peso crescia dentro dela, como se a primeira resposta tivesse sido apenas fruto da imaginação.

Na sexta-feira seguinte, quando já havia quase desistido, lá estava um novo envelope, repousando intacto sobre a neve, como se o inverno não tivesse poder sobre ele. Clara correu para dentro, com as mãos frias e o coração descompassado.

Rafael começava a carta com surpresa e leve ironia. Dizia não esperar que alguém respondesse, muito menos com tanta firmeza. Confessava que as palavras dela haviam soado como um eco inesperado, trazendo-lhe vida em meio ao isolamento. Mas, em seguida, algo na carta fez Clara prender a respiração. Ele falava do inverno rigoroso de 1998, descrevendo como as nevascas haviam bloqueado a estrada principal por dias, como a cidade mais próxima ficara inacessível, como a solidão o obrigava a se aquecer apenas com a lareira e um cobertor pesado de lã.

Clara leu e releu aquelas linhas, paralisada. O papel estava diante dela em 2022. Como seria possível? Primeiro, pensou em engano ou brincadeira. Talvez alguém tivesse deixado cartas antigas guardadas na casa e agora se divertisse às custas de sua solidão. Mas quanto mais observava a letra firme, a tinta ainda fresca, a naturalidade dos detalhes, mais difícil se tornava sustentar a descrença.

Ela se levantou e foi até a janela. Do lado de fora, a mesma neve que ele descrevera caía suave, como se o tempo não fosse barreira para aquela correspondência impossível. O frio percorreu seu corpo, mas não era apenas da estação — era a sensação de estar diante de algo que escapava à lógica, algo que mexia com sua razão e, ao mesmo tempo, com sua esperança adormecida.

Naquela noite, ao se deitar, Clara segurava a carta contra o peito. O medo e a fascinação misturavam-se em igual medida. Uma parte de si dizia que deveria parar, ignorar, não se deixar levar por fantasias perigosas. Mas outra, mais forte, sussurrava que aquele diálogo era um chamado. E, pela primeira vez desde que perdera a mãe, ela sentia que o vazio não era absoluto.

No escuro, entre o silêncio da casa e o uivo do vento, Clara compreendeu que precisava responder. Mesmo que fosse loucura, mesmo que fosse impossível.