O Documento Perdido e o Beijo Achado – Capítulo 65

A manhã começou com o som apressado de papéis revirados. A rainha andava de um lado a outro do quarto, abrindo gavetas, vasculhando caixas, tentando encontrar um documento importante que, misteriosamente, desaparecera. O rei a observava com aquele olhar que não se perdia na pressa, mas na curva do pescoço dela quando ela se inclinava, na forma como seu cabelo caía com desleixo real sobre os ombros nus, no deslizar sutil da camisola que insistia em dançar nos quadris enquanto ela se movia.

Lórien e Bravus latiam de leve no corredor, inquietos com a movimentação. Luzia, a gata branca, deitou-se sobre a pilha de papéis espalhados pelo tapete como quem dizia que o mais importante já havia sido encontrado: a presença dela. Nilo, com sua calma felina, acomodou-se no colo do rei, indiferente ao caos em volta, mas atento ao silêncio entre um olhar e outro.

Foi então que, ao abrir um livro antigo de receitas, a rainha encontrou o bilhete esquecido entre duas páginas. O papel amarelado parecia guardar mais do que palavras — trazia um tempo suspenso. Ela leu em voz alta, com a voz entre surpresa e ternura: “Te escolhi antes de saber que você existia.”

O rei aproximou-se lentamente, como se o mundo inteiro caminhasse até ela em silêncio. Ele tomou o bilhete das mãos dela e o encostou ao peito, depois acariciou o rosto da rainha como se fosse feito de porcelana quente e disse, com um sorriso que incendiava os minutos: “E eu teria te encontrado mesmo se tivesse nascido cego, porque teu cheiro me guiaria.”

A resposta da rainha veio em um olhar lascivo, em um sorriso enviesado de desejo que dizia mais do que qualquer bilhete. Ela se ergueu na ponta dos pés e colou os lábios nos dele com a lentidão de quem decifra uma profecia. O beijo não era apressado. Era um mergulho. Era encontro. Era fé. O documento continuava perdido, mas o beijo achado fazia do esquecimento um acaso sagrado.

Ali, entre os latidos sonolentos de Lórien e Bravus que enfim se deitaram tranquilos, entre o ronronar doce de Luzia e Nilo aos pés da cama, o rei e a rainha celebraram o achado mais valioso: o amor que resiste à pressa, que se recorda até quando tudo parece esquecido. E enquanto as paredes do quarto testemunhavam o silêncio depois do beijo, o bilhete repousava sobre o travesseiro, como se quisesse ser lido de novo ao amanhecer.

O Documento Perdido e o Beijo Achado – Capítulo 65