O Espantalho Charmoso do Pomar – Capítulo 55

O dia amanheceu com cheiro de terra molhada e promessas de colheita no ar. A Rainha saiu cedo, cesto no braço, para verificar o pomar que vinha sendo cuidado com tanto zelo. Entre ramos de pessegueiros, parreiras e o murmúrio alegre dos passarinhos, lá estava ele: o novo espantalho. Era torto, tinha chapéu de palha desajeitado, camisa velha e um sorriso costurado com linha vermelha, que mais parecia zombar do próprio ofício.

O Rei surgiu logo depois, com ares de quem esconde alguma surpresa. Trazia barro nas mãos e folhas nos cabelos, o que só aumentava o charme despretensioso de quem se empenha em pequenos gestos. A Rainha cruzou os braços, observando a criatura curiosa ali fincada entre as hortaliças e as fruteiras.

Você fez isso? perguntou, com um riso contido no canto da boca. O Rei assentiu, satisfeito como uma criança que mostra o primeiro desenho. Fiz com minhas mãos, mas ainda prefiro ver você espantando meus sentidos. A frase veio acompanhada daquele olhar que ela já sabia decifrar — um pouco bobo, um pouco poeta, completamente dela.

Ela fingiu que revirava os olhos, mas caminhou até ele, encostou a cabeça no ombro largo e disse baixinho: então trate de não deixar seus sentidos muito livres, senão eles vão se perder em mim. Ele riu, envolveu-a pela cintura e ficaram ali por instantes, abraçados sob a copa das árvores, enquanto os dois cachorros cavavam perto das raízes e os gatos saltavam de galho em galho, numa travessura silenciosa e despreocupada.

Naquela manhã simples, o pomar ganhou mais que um espantalho torto. Ganhou a lembrança de que, mesmo entre frutas, sombras e tarefas diárias, o amor sabia plantar-se inteiro, feito semente bem lançada. E quando a Rainha se afastou para colher figos, o Rei olhou para o espantalho e cochichou, como se ele fosse cúmplice: feio você está, mas me ajudou a ver o quanto ela é linda.

O Espantalho Charmoso do Pomar – Capítulo 55