✦ O Espelho das Águas Invertidas – Capítulo 12

Maíra caminhava sem pressa pela margem silenciosa, onde as folhas pareciam cochichar lembranças com o vento. Ali, o rio já não murmurava como antes. Estava quieto, quase contido, como se aguardasse por algo. Ou alguém.

Foi então que ela notou uma curva que nunca estivera ali. Uma dobra sutil no caminho das águas, onde a superfície não refletia o céu, mas mostrava algo mais profundo: imagens que se moviam para trás. As folhas que caiam voltavam aos galhos. Os peixes mergulhavam e depois voltavam a boiar como se jamais tivessem rompido o espelho líquido. Um redemoinho suave girava no sentido inverso das horas. Era o espelho das águas invertidas.

Maíra sentiu que não podia atravessá-lo com os olhos apenas. Havia algo naquela transparência que a chamava para dentro. Sentou-se na beira, fechou os olhos e, com o coração calmo, mergulhou.

Sob a superfície, o mundo parecia suspenso. O tempo não corria como ela conhecia. O que estava por vir já tinha acontecido. O que foi ainda estava chegando. E ali, como numa dança em reverso, ela viu memórias. Não dela, mas que pulsavam em sua alma como se fossem.

Viu uma mulher de cabelos longos sussurrando para as águas. Um homem com olhos de céu deixando uma oferenda de pedras azuis na margem. Uma criança, muito parecida com ela, rindo enquanto os peixes pulavam ao seu redor como se comemorassem sua presença. Eram rostos de sua linhagem. Guardiões antigos. Vozes que haviam sido caladas pelo esquecimento, mas que ainda viviam na memória do rio.

Cada cena vinha envolta por uma névoa morna que acariciava seus pensamentos. E quando Maíra tentou perguntar quem eram, sentiu a resposta surgir sem som: você sempre soube.

Quando retornou à superfície, o mundo parecia respirar de novo. O rio voltara a seguir seu curso natural, mas deixara nela um reflexo permanente. Havia reconhecido raízes que desconhecia. O sangue em suas veias agora cantava o mesmo canto das águas.

Maíra sabia que aquele espelho não mostrava o passado como um livro fechado, mas como um eco que ainda chamava. E, mais do que nunca, ela estava pronta para escutar.

O Espelho das Águas Invertidas – Capítulo 12