O Espelho que Não Reflete – Capítulo 34

Clara já havia passado incontáveis vezes diante do velho espelho do sótão. Mas naquela noite, algo nele parecia… errado. A moldura de madeira, antes opaca e empoeirada, agora brilhava com um verniz úmido, quase novo, como se tivesse acabado de ser talhada. E o vidro, o vidro estava diferente. Não refletia o sótão que ela conhecia, mas um espaço distorcido, em ruínas.

No lugar das vigas e livros antigos, Clara viu paredes carcomidas por mofo, pinturas rasgadas e móveis caídos, cobertos por folhas secas. O espelho mostrava a mesma casa, mas como se estivesse abandonada há décadas, esquecida por todos. Uma árvore seca atravessava o teto. O tempo ali havia passado de maneira cruel.

Assustada, Clara deu um passo para trás. E foi então que percebeu.

Seu reflexo… não a acompanhou.

Ela se afastou. O reflexo ficou.

Parado.

Observando-a.

Por um instante, foi como olhar para outra pessoa com o mesmo rosto. Um silêncio cortante se instalou entre ela e o vidro, como se o tempo ali tivesse sido suspenso, e do outro lado, algo mais soubesse demais.

O reflexo então moveu lentamente a cabeça, milésimos de segundo depois do gesto real. Os olhos de Clara, naquele espelho, pareciam mais escuros. Mais fundos. Mais antigos.

Ela quis tocar o espelho, mas hesitou. E então, o reflexo sorriu. Ela não sorriu.

O coração de Clara disparou.

Foi como se a casa dissesse:
“Há partes de você que ainda não se olham nos olhos.”

Clara recuou, o som do próprio sangue nos ouvidos. Quando piscou, o espelho voltou a mostrar apenas seu reflexo normal. Tudo estava como antes.

Mas ela sabia.

Algo ali dentro… continuava olhando.

O Espelho que Não Reflete – Capítulo 34