O Espelho Velado – Capítulo 3

O sótão guardava cheiros de tempo, poeira e histórias que ninguém mais contava. Clara já havia percorrido parte daquele espaço, mas algo lhe dizia que ainda havia segredos escondidos nas sombras. Seguindo essa intuição, moveu algumas caixas e empurrou uma prateleira que ameaçava desabar. Foi então que o viu: um espelho grande, encostado contra a parede, completamente coberto por um tecido grosso, envelhecido e manchado por algo que parecia ser tinta e ferrugem.

Havia algo solene naquele objeto esquecido. Aproximando-se, Clara tocou o tecido com hesitação. Era pesado, áspero, e parecia resistir ao toque, como se ainda protegesse, com relutância, o que havia por baixo. Ela puxou com cuidado, revelando o vidro manchado pelo tempo, emoldurado por uma estrutura de madeira talhada com símbolos desgastados.

Por um breve instante, tudo parecia comum. O reflexo devolvia sua imagem: uma jovem cercada por caixas, sob a luz fraca da única lâmpada pendurada no teto. Mas então, algo mudou.

Aos poucos, como uma névoa que se dissipa, o espelho começou a mostrar algo diferente. Não era mais o reflexo do presente. As paredes estavam limpas, o assoalho polido. O sótão surgia em outra época, vibrante de cor e vida. Havia cavaletes organizados em fila, potes de tinta, pincéis mergulhados em copos de vidro, e papéis espalhados por uma longa mesa. A luz do entardecer entrava pelas janelas como ouro líquido.

No centro da cena, um homem curvado sobre um caderno desenhava com concentração absoluta. Seus traços eram fortes, mas o semblante carregava o peso de algo insondável. Clara prendeu a respiração. Ela reconhecia aquela silhueta, já a tinha visto nos rabiscos, nas palavras e no tom das cartas que lera. Elias.

Antes que pudesse se aproximar, uma sombra cruzou o reflexo e, num piscar de olhos, tudo desapareceu. O espelho voltou ao estado habitual, devolvendo apenas a imagem do sótão atual, silencioso e decadente.

Clara recuou um passo, sentindo o coração disparar. Não havia como negar: o espelho mostrara o passado. Ou, ao menos, uma versão dele. Um eco, uma lembrança talvez impressa na madeira, na tinta, ou na memória viva do lugar.

Tocou a moldura com os dedos, agora trêmulos, e percebeu algo gravado na parte inferior, quase invisível sob a camada de poeira: “Nem tudo que reflete pertence ao agora.”

Clara afastou-se lentamente, mas sabia que voltaria. O espelho havia lhe mostrado mais que imagens, havia lhe mostrado uma conexão. E ela estava apenas começando a entender o que aquilo significava.

O Espelho Velado – Capítulo 3

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