✦ O Fio que Une – Capítulo 37

Era início da manhã quando a cidade ainda bocejava sob a luz suave do sol. As ruas estavam úmidas do orvalho, e o movimento começava a se intensificar com passos apressados, buzinas impacientes e cafés abrindo suas portas. Ninguém parecia notar a figura serena que caminhava entre os postes de luz, os bancos de praça e as esquinas esquecidas. Ela carregava uma cesta de vime, de onde saíam rolos de fitas coloridas como serpentes de seda.

A bruxa urbana, como gostava de ser chamada, costurava em silêncio. Trazia nos dedos a precisão de quem sabe que o invisível também merece forma. Com uma agulha fina e encantada, furava as camadas do concreto como se tocasse pele viva. Em cada ponto, prendia uma fita com um nó delicado, como se costurasse a cidade de novo por dentro.

As fitas não eram comuns. Tinham tons vibrantes e leves brilhos que só os olhos atentos conseguiam perceber. O azul representava o desejo coletivo por paz. O amarelo, por empatia. O rosa-claro, por escuta. O vermelho-forte era urgência por justiça. As cores se multiplicavam como sentimentos sem voz, ganhando lugar em postes, grades e corrimãos.

Quem passava distraído talvez as visse como enfeites curiosos, uma intervenção artística anônima. Mas aqueles que paravam, mesmo que por um instante, sentiam um calor no peito, uma lembrança suave de algo que haviam esquecido que era importante. As crianças, em especial, eram atraídas pelas fitas como por um chamado secreto, e muitas vezes tentavam tocá-las, sorrindo sem saber por quê.

A bruxa sabia que nem todos compreenderiam. Mas isso não a impedia. Continuava dia após dia, fitando os rostos da cidade e escutando seus silêncios. Quando percebia que uma região precisava de coragem, deixava uma sequência de laranja. Se o bairro pedia por esperança, voltava à noite e costurava verde por toda a praça.

À noite, quando o vento passava pelas fitas, um leve som ecoava no ar. Um som que não era som, uma linguagem sentida na pele. Algumas pessoas paravam ao ouvir. Outras apenas caminhavam mais leves, sem notar por que os ombros pareciam menos pesados.

E assim, a cada nova fita costurada, a cidade se tornava menos desconexa, mais próxima de si mesma. Porque, no fundo, há fios invisíveis que unem desejos, medos e esperanças. E basta uma bruxa atenta para transformá-los em cor.