O Fragmento Esquecido

A manhã amanhece pálida, filtrada por cortinas que deixam passar uma luz indecisa. Clara desperta com a sensação de ter dormido em um lugar que a observa. O teto branco parece guardar ecos de vozes apagadas, e o ar tem o perfume antigo de lembranças que não pertencem mais a ninguém.

Ela se senta na cama devagar, como quem teme romper um feitiço. Sobre a mesa ao lado, uma fotografia rasgada a encara. Nela, um rosto parcialmente ausente lhe devolve um olhar que parece familiar demais. O gesto instintivo de tocar o papel faz com que um arrepio percorra seu corpo. Há uma ternura escondida ali, uma saudade sem forma.

Clara percorre o quarto com os olhos, tentando decifrar o que é seu e o que não é. Um casaco pendurado atrás da porta, um livro aberto sobre a poltrona, uma caneca com marcas de batom. Tudo parece habitado por outra presença, algo que resiste ao esquecimento.

Ela passa os dedos pelos lençóis, buscando um calor que já se dissipou. Sente que há alguém ausente — não apenas de corpo, mas de destino. O coração bate com o desconforto de quem intui uma história que lhe foi arrancada.

O espelho diante da cama devolve um reflexo que a surpreende. Seus olhos parecem mais cansados do que se lembrava, e há uma doçura antiga em seu semblante que não reconhece. O silêncio do quarto é tão profundo que parece respirar junto com ela.

Clara fecha os olhos por um instante e tenta lembrar de algo, qualquer coisa. Um nome, um toque, uma voz. Mas o que vem é apenas a sensação de ter amado intensamente alguém que agora vive apenas nas bordas do esquecimento.

Quando volta a olhar para a fotografia, o fragmento rasgado parece pulsar. É como se a imagem guardasse a chave de tudo o que foi esquecido. Ela não sabe ainda, mas o vazio que sente não é ausência — é o eco de um amor tentando encontrar o caminho de volta.