O Homem do Outro Lado da Lembrança

As noites de Clara tornam-se densas, quase líquidas. O sono chega como uma travessia incerta, conduzindo-a para lugares que não sabe nomear. Tudo começa com fragmentos: o som do mar, uma janela aberta, a sombra de alguém que a observa com ternura.

Então ele aparece. Elias.

A princípio é apenas uma figura envolta em névoa, um rosto que o tempo parece desfazer e recompor ao mesmo tempo. Mas a cada sonho ele se aproxima mais, até que Clara sente sua respiração próxima, reconhecendo nela um ritmo que o corpo parece lembrar. Há um silêncio entre os dois que fala mais do que qualquer palavra.

Ela acorda sempre com o coração acelerado, o nome dele ainda vibrando nos lábios. Elias. Um nome que soa como saudade, como lembrança prestes a despertar. A cada amanhecer, a linha entre sonho e realidade se torna mais frágil.

Durante o dia, Clara tenta ignorar o que sente. Caminha pela casa, relê as cartas, busca pistas que expliquem o impossível. Mas o rosto dele insiste em surgir nas superfícies do espelho, nas sombras das paredes, no reflexo das janelas.

Há uma familiaridade no olhar de Elias que a desarma. Ele parece conhecê-la profundamente, como se soubesse dos medos que ela nunca confessou e das promessas que já esqueceu de cumprir. Quando ele fala, sua voz é feita de lembrança — uma mistura de melancolia e esperança que a faz querer chorar sem entender o motivo.

Nas madrugadas, Clara passa a esperar o sono. Fecha os olhos desejando encontrá-lo outra vez. E quando o sonho vem, é como se atravessasse um espelho invisível. Lá, Elias a segura pelas mãos e a chama de volta para um tempo que já não existe, mas que insiste em continuar vivendo dentro deles.

Ao despertar, Clara sente que algo mudou. A solidão parece menos fria, como se alguém a observasse de algum lugar entre o esquecimento e o amor. E no fundo de sua alma, uma certeza silenciosa começa a nascer: Elias não é apenas um sonho. É a lembrança que se recusa a morrer.