O Inverno no Corpo

As noites de Clara tornaram-se mais densas, longas e cheias de silêncios. Ao acender a lareira, não era apenas o fogo que iluminava a sala: havia a sensação nítida de que Rafael também observava as chamas, em algum ponto perdido no tempo. O calor que ela buscava na lenha ardendo parecia atravessar as décadas, encontrando o frio dele.

Nas cartas, Clara passou a narrar os pequenos gestos do cotidiano: o café forte preparado pela manhã, o som da madeira rangendo sob seus passos, o cheiro de terra úmida depois da chuva. Rafael respondia com descrições que ecoavam os mesmos lugares, mas sob outra paisagem: falava da varanda coberta de neve, do silêncio absoluto da montanha em 1998, dos flocos que se acumulavam nas árvores como véus brancos.

A casa tornava-se palco de dois invernos distintos, mas sobrepostos. Ela vivia em 2022, cercada por vento gelado e ausência. Ele caminhava no mesmo espaço, vinte e quatro anos antes, envolto em nevascas. Ainda assim, quando liam um ao outro, havia uma estranha impressão de simultaneidade, como se os calendários se desmanchassem e restasse apenas o corpo sentindo o peso do inverno.

Clara, em silêncio, começou a perceber que o frio já não era apenas do lado de fora. Era também a presença dele, atravessando o tempo e instalando-se em sua pele, como se cada palavra escrita fosse um sopro de vento que tocava sua alma.