O Legado do Avô

O cheiro de maresia misturado ao de madeira envelhecida recebeu Lucas assim que ele girou a chave e abriu a porta. A velha casa de praia do avô permanecia quase intocada, como se os anos tivessem parado ali dentro. O som distante das ondas parecia ecoar por cada cômodo, carregando lembranças que ele não sabia se pertenciam a ele ou à própria casa.

Enquanto explorava os móveis cobertos por lençóis e poeira, encontrou uma caixa de madeira guardada no fundo do armário da sala. Dentro dela, havia cartas amareladas pelo tempo, fotografias em preto e branco e uma pequena caderneta com a caligrafia firme e inclinada do avô. Folheando as páginas, leu histórias que soavam mais como confidências do que simples anotações. Em meio às palavras, um detalhe chamou sua atenção: descrições de noites passadas em lugares específicos, seguidas de relatos vívidos de acontecimentos ocorridos décadas antes, narrados como se tivessem sido vividos novamente.

A cada página, a desconfiança de Lucas se misturava a uma estranha inquietação. As fotografias pareciam vibrar com algo invisível, e em algumas delas ele jurava ver nuances de movimento, como se os instantes ali capturados ainda respirassem. Entre as cartas, uma em especial estava endereçada a ele, selada e marcada com a instrução de só ser aberta após a morte do avô.

Ao romper o envelope, leu palavras que mudariam para sempre sua compreensão sobre a própria vida. O avô revelava que todos os homens da família possuíam uma habilidade peculiar: podiam revisitar o passado ao dormir em lugares carregados de memórias emocionais, como poltronas, camas ou cantos onde momentos importantes haviam acontecido. Não se tratava de sonhos, mas de experiências reais, um retorno aos dias que já tinham se encerrado.

Lucas sentiu um arrepio percorrer-lhe a espinha. A ideia era absurda, mas a casa parecia respirar ao redor dele, como se o próprio ar guardasse segredos. Olhou para a poltrona gasta junto à janela, onde tantas vezes vira o avô cochilar ao entardecer. O mar lá fora refletia o dourado do pôr do sol, e pela primeira vez ele se perguntou se a fronteira entre memória e realidade era tão sólida quanto sempre acreditara.

Ele não sabia se estava pronto para acreditar, mas, no fundo, algo em seu coração já aceitava a verdade. E essa verdade pulsava na velha casa, esperando apenas que ele fechasse os olhos para encontrá-la.