O Mau Humor Matinal e o Beijo que Quebra Feitiço

A manhã chegou silenciosa no Reino, como se pressentisse que não era bem-vinda. Lá fora, o céu carregava nuvens que imitavam o humor da Rainha Vera. Luzia, sempre atenta aos detalhes emocionais da casa, havia pulado para o encosto do sofá, observando à distância. Nilo, mais corajoso, tentou um leve ronronar nos pés da Rainha, mas recuou com dignidade felina quando ela apenas resmungou algo incompreensível. Lórien e Bravus ainda estavam sonolentos no tapete da sala, mas o mais velho dos dois levantou as orelhas, já sentindo que o clima exigiria delicadeza.

A Rainha caminhava pela casa com passos curtos e braços cruzados. O cabelo preso de qualquer jeito, o olhar perdido no chão, como quem procura respostas para perguntas que nem sempre sabe nomear. Era um daqueles dias em que tudo parece fora do lugar, mesmo estando no lugar de sempre.

O Rei percebeu de longe, com aquela sensibilidade que só o tempo e o amor verdadeiro ensinam. Não perguntou nada. Não pediu explicações. Apenas entrou na cozinha e começou a preparar o café como quem prepara uma oferenda sagrada. Os grãos moídos com cuidado, a água fervendo no tempo certo, o aroma se espalhando como um convite à reconciliação com o mundo.

Luzia e Nilo se aproximaram quando sentiram o cheiro. Lórien veio logo atrás, seguido por Bravus, que ainda espreguiçava com lentidão. A cozinha se encheu de passos suaves e respirações calmas. A Rainha entrou em silêncio, atraída pelo cheiro e, talvez, pela tentativa do dia em se consertar.

O Rei não disse nada. Apenas colocou a xícara favorita dela sobre a mesa, serviu o café com cuidado e, antes que ela se sentasse, aproximou-se com a delicadeza de quem não teme o trovão. Beijou-lhe a testa com ternura. Um beijo que não exigia nada. Nem sorrisos, nem promessas. Só presença.

Ela fechou os olhos por um instante. Suspirou. Sentou-se.

Teu azedume tem gosto doce quando é meu, disse ele, como quem entrega uma chave.

A Rainha sorriu de canto, como quem reconhece um feitiço quebrado.

Luzia pulou no colo dela, como um selo de paz. Nilo encostou-se ao pé da cadeira. Lórien deitou por perto, observando o Rei com respeito. Bravus, com seu jeito estabanado, encostou o focinho no joelho dela, como se dissesse que o dia ainda tinha chances.

O café foi tomado em silêncio. Mas um silêncio leve, daqueles que só existem entre quem se conhece por dentro. A casa respirou aliviada. O humor cinzento se dissolveu no calor da xícara. E o Reino retomou seu ritmo.

Porque mesmo as manhãs mais emburradas se rendem ao beijo certo. E ali, entre gatos, cachorros e o cheiro de café, o amor mais uma vez venceu o dia.