O Quadro Torto e o Olhar Certo

O quadro da sala estava torto. O Rei percebeu ao passar diante dele e, com um gesto quase automático, tentou endireitá-lo. Aproximou-se, ajeitou a moldura, inclinou um pouco para a esquerda, depois para a direita, como se o equilíbrio dependesse de milímetros invisíveis aos olhos comuns. A Rainha observava de longe, recostada na poltrona, e sorria.

Enquanto ele insistia em alinhar a moldura, Luzia, a gata de pelagem clara, saltou suavemente sobre o aparador e esfregou o corpo contra o braço do Rei, como se quisesse dizer que aquilo não tinha tanta importância. Nilo, o gato de olhar atento, preferiu observar de baixo, sentado na ponta do tapete, atento a cada movimento como se estivesse diante de um espetáculo silencioso.

Os cachorros também se aproximaram. Lórien, com sua energia calma, deitou-se perto da Rainha, descansando a cabeça em seus pés, enquanto Bravus, sempre mais curioso, farejou a moldura como se pudesse descobrir nela o segredo do desalinho.

O Rei suspirou, afastou-se um passo para avaliar o resultado e ainda achou imperfeição. A Rainha então disse, com um tom suave e cheio de convicção: “Deixa assim… até a imperfeição tem charme quando é nossa.”

As palavras dela pairaram no ar como uma verdade que não precisava de comprovação. O Rei largou a moldura, voltou-se para a Rainha e sorriu. Percebeu que, de fato, havia beleza naquela pequena imperfeição, uma marca do lar que pertenciam, um reflexo da vida que compartilhavam.

Luzia ronronou satisfeita, como se aprovasse a decisão de não tocar mais no quadro. Nilo, com seu jeito contemplativo, fechou os olhos e se deitou enrolado no tapete, confortável com a harmonia invisível que se formava ali. Lórien permaneceu ao lado da Rainha, sereno, enquanto Bravus finalmente desistiu de farejar e deitou-se próximo ao Rei, como um guardião silencioso.

Naquele instante, o quadro torto deixou de ser um incômodo e passou a ser um símbolo. Não era apenas uma moldura desalinhada na parede, mas a prova de que até as imperfeições, quando compartilhadas, podem se tornar certezas.

O Rei e a Rainha se olharam, e nesse olhar estava contido tudo: a compreensão mútua, o peso leve do cotidiano e o valor das pequenas coisas. O quadro estava torto, mas o olhar deles estava certo.