O Retrato Virado – Capítulo 8

O sótão estava mergulhado em silêncio quando Clara notou, na parede oposta ao espelho velado, um quadro grande, virado para a madeira áspera. A moldura era trabalhada, com arabescos escurecidos pelo tempo. Algo naquele objeto chamava, de forma sutil, quase como um sussurro sem som. Tomada por uma sensação estranha, Clara se aproximou e, com cuidado, desvirou a pintura.

O que viu a fez prender a respiração.

Era o retrato de uma mulher jovem, de traços suaves e melancólicos. Os cabelos ondulados caíam sobre os ombros, e os olhos, profundamente tristes, pareciam buscar algo que jamais encontraram. Mas o mais perturbador era a mão. Estava estendida, como nos desenhos, convidando ou alertando, em um gesto suspenso entre o desejo e o desespero.

Clara recuou um passo. O rosto… havia algo nele que a incomodava profundamente. Não era apenas a beleza triste da figura. Era a semelhança. A estrutura dos olhos, a curva do queixo, o olhar perdido. Era como se o tempo tivesse traçado ali um reflexo dela mesma, ou de alguém que existia antes para que ela existisse agora.

Seria Lisbeth, a mulher das cartas e dos sonhos de Elias? Ou teria ele, de alguma forma inexplicável, retratado Clara antes que ela nascesse? A dúvida cresceu em seu peito como um peso silencioso.

Na parte inferior do quadro, quase apagado, um nome pintado em dourado começava a se desfazer: “L–”. Apenas uma letra. Incompleto, como tudo ali.

Clara tocou levemente a superfície da pintura. A tinta estava fria, mas por um instante, jurou sentir a pele sob seus dedos ceder, como se não tocasse mais apenas tela, mas algo… vivo.

O Retrato Virado – Capítulo 8