O Selo de Sangue – Capítulo 22

“Algumas portas não se abrem com chaves. Abrem-se com memória. Ou com sacrifício.”

Enquanto limpava a poeira acumulada na base do espelho, Clara percebeu uma saliência irregular na madeira. Com a ponta de uma faca enferrujada, desencaixou uma pequena lasca. Ali, oculta sob camadas de verniz envelhecido, jazia uma marca: um selo rudimentar, formado por resina escura misturada a algo que o tempo tornara opaco, mas ainda rubro.

Sangue.

A constatação fez seus dedos tremerem.
No centro do selo, uma letra gravada: Ε, a inicial grega de Elias, ou de Eko? Ou talvez de Erros.

Clara hesitou. O espelho parecia observá-la, devolvendo-lhe um reflexo que não era exatamente o seu.
O sótão silenciou, como se a casa também aguardasse.
Então ela quebrou o selo.

No instante em que a crosta rachou, um grito atravessou as paredes como uma lâmina afiada, um som visceral, antigo, humano demais para ser um eco, profundo demais para vir apenas deste mundo.

O espelho escureceu. As bordas estalaram.
E por trás do vidro, uma silhueta se formou: braços abertos, olhos opacos, a mão estendida, a mesma dos desenhos.
Mas agora ela tremia. Viva.

A casa reagiu como um organismo. As portas rangeram, os quadros vibraram levemente. O ar se tornou mais denso. Clara recuou um passo, mas não fugiu. Sabia que, ao romper o selo, havia liberado mais do que uma voz.
Havia ativado um pacto.

Elias não queria ser lembrado.
Queria ser continuado.

A madeira que escondia, agora revelava.
E o sangue que selava, agora chamava.
Chamava por ela.

O Selo de Sangue – Capítulo 22