O Silêncio que Fala nas Entrelinhas

Naquela tarde sem pressa, o Reino estava em sua mais simples harmonia. A Rainha Vera organizava algumas receitas antigas na cozinha real, enquanto os gatos Luzia e Nilo se esparramavam preguiçosamente sob o sol que invadia a janela. Do lado de fora, Lórien e Bravus corriam em círculos no gramado, latindo de maneira ritmada como se ensaiassem uma coreografia canina só deles.

O Rei Robledo aproximou-se sem alarde. Ele não trazia promessas, nem urgências. Apenas a calma de quem sabe que amar também é saber estar ali, inteiro, mesmo no silêncio. Sem palavras ensaiadas, passou os dedos levemente pela cintura de Vera, que ainda manuseava as receitas, concentrada. Ao sentir o toque, ela olhou por sobre o ombro, com um sorriso que misturava surpresa e costume.

Ele então disse em tom quase sussurrado, mas sem segundas intenções, com a serenidade de quem sabe o valor de um gesto simples: “Teu corpo é meu mapa preferido. E cada curva tua me leva para casa.” A frase não vinha de um lugar de desejo passageiro, mas de uma ternura acumulada pelo tempo, de quem conhece cada detalhe e ainda assim se encanta toda vez que reencontra.

Luzia espreguiçou-se sobre a toalha da mesa. Nilo bocejou e rolou para o outro lado, como se entendesse que o lar está também nas pequenas cenas que se repetem com amor. Lórien, cansado da corrida, deitou-se ao lado da porta, e Bravus enfiou o focinho entre as patas, atento a qualquer migalha de afeto ou biscoito que surgisse dali.

O momento era breve, mas ficou preso no tempo como um retrato invisível pendurado na parede da memória. Não houve trilha sonora além do ronronar suave dos gatos e do barulho da chaleira prestes a apitar. Não houve espetáculo. Apenas o ordinário vestido de eterno.

O Rei se afastou, como veio, em silêncio, mas com o coração cheio do que não precisava ser dito. E Vera, com a ponta dos dedos ainda empoada de farinha, continuou suas receitas com um pouco mais de leveza na alma. Porque no Reino deles, o carinho sabia a hora de chegar, e o mapa do caminho era sempre o mesmo: o outro.